sábado, 10 de junho de 2017

Um Corpo Que Cai

Já faz algum tempo que o posto de “melhor filme de todos os tempos” –ainda que, cada vez mais, tal alcunha deixe de ter algum peso devido à seu evidente absurdo –foi sendo retirado de “Cidadão Kane” passando, na opinião de toda uma nova geração de críticos, para esta obra de Alfred Hitchcock.
Uma vez dono de tão honorável título, o trabalho de Hitchcock neste filme passou a ser alvo de estudos cada vez mais apaixonados e interessados. Numa comparação prévia com sua obra geral, este suspense parece mais cheio de implicações psicológicas do que é o habitual do diretor Hitchcock, onde ele aproveita para penetrar nos meandros da mente humana –embora um olhar mais atento possa constatar que nuances de psicologia sempre pontuaram seus trabalhos.
Há, na verdade, em “Um Corpo Que Cai”, uma postura distinta de Hitchcock como realizador, e uma curiosa predisposição em deixar a natureza comercial e afável das reviravoltas de lado para, em lugar disso, vislumbrar as conseqüências de ordem dramática, mental e emocional que uma guinada no plot promove no interior de um personagem. Nesse sentido, este filme revela-se o mais profundo já engendrado por Hitchcock, talvez, uma idéia que o perseguia há algum tempo, mas que ele reservou este roteiro em especial para ser empregada.
James Stewart, um dos colaboradores freqüentes de Hitchcock, interpreta um homem que sofre de estranha vertigem. Detetive particular, ele falha em salvar a esposa de um cliente que o contratou para seguí-la; essa mulher surge vivida de maneira etérea por Kim Novak.
Quando ela cai da torre de um mosteiro, ele (que se apaixonara por ela) mergulha numa crise psicológica profunda, da qual custa muito a sair.
Ao retomar uma vida normal, ele encontra por acaso uma mulher assombrosamente semelhante com a falecida, e ao se envolver com esta, busca torná-la ainda mais parecida com ela, tingindo-lhe o cabelo e vestindo-lhe as mesmas vestes.
Hitchcock conduz arduamente a expectativa do expectador, elevando-a a níveis aflitivos, na medida em que trabalha habilmente a possibilidade de que a obsessão do protagonista tenha razão de ser: No desfecho, em grande medida, aterrador, essa mulher guarda, sim, segredos que remetem ao fatídico caso que o atormenta.
Pleno de uma linguagem subliminar que Hitchcock leva quase à perfeição, este “Um Corpo Que Cai” se destaca em sua filmografia por uma postura notadamente mais intimista e elitista do que seus demais trabalhos –embora, paradoxalmente, este também seja aquele em que o diretor permite que o viés afetivo de seus personagens mais venha a interferir na narrativa.

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