sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Amsterdam


 Escrito e dirigido pelo mesmo David O’Russell que surpreendeu público e crítica com “O Lado Bom da Vida” e “Trapaça”, “Amsterdam” passou despercebido quando foi lançado em 2022. A intriga verborrágica, mirabolante e intrincada que ele descortina (ainda que ampara em fatos reais, a chamada Conspiração Empresarial de 1933) não caiu no gosto dos expectadores, e a condução de O’Russell –como sempre, inclinada ao fascínio por tipos disfuncionais e por uma sistemática estranheza –não ajudou a tornar mais apetecível uma obra que, em sua indefinição, parece não pertencer a gênero nenhum: Durante suas mais de duas horas de duração, “Amsterdam” reúne elementos de film noir, suspense conspiratório, drama, comédia de humor negro e thriller político, tudo numa roupagem desigual que remete à década de 1930.

O enredo cheio de melindres gira em torno de três grandes amigos: Os soldados Burt Berendsen (Christian Bale), Harold Woodman (John David Washington, de “Resistência”) e a enfermeira Valerie (Margot Robbie). Em meados de 1918, Burt e Woodman se conheceram no front da Primeira Guerra Mundial e logo foram despachados para o hospital em que Valerie servia. A amizade foi instantânea –bem como o romance entre Harold e Valerie –e os três logo fugiram para Amsterdam a fim de viver um sonho até o limite do tolerável.

Entretanto, Burt, casado com a abastada Beatrice Vandenheuvel (Andrea Riseborough), precisou voltar para a América, trazendo Harold à reboque. Quinze anos depois, os dois trabalham numa clínica médica de quinta categoria para soldados veteranos em Nova York –Burt como médico-cirurgião, Harold como advogado –quando são procurados por Elizabeth Meekins (a cantora Taylor Swift), certa de que seu pai, o Senador Meekins, não morreu de causas naturais ao voltar de uma viagem à Europa.

Durante a autópsia, perpetrada por Burt e pela enfermeira Irma St. Clair (Zoe Saldaña), eles descobrem que o Senador foi envenenado e, quando dão por si, são tragados para dentro de um furacão: Na sequência, Elizabeth é assassinada, a culpa recai sobre Burt e Harold que logo se tornam os principais suspeitos aos olhos da polícia –personificada nos paspalhos personagens de Matthias Schoenaerts e Alessandro Nivola. Ao fugirem, Burt e Harold dão início à sua própria investigação a fim de limpar seus nomes, quando reencontram novamente Valerie, e vão descobrindo uma trilha de pistas que irá levá-los até um influente político de Washington (Robert De Niro) e, por fim, à uma terrível verdade acerca de um mal inominável que começa a despontar em certos governos totalitários da Europa, como a Itália e a Alemanha, E acredite, essa é só a ponta do iceberg!

Uma sinopse descrita em características normais não dá conta das idas e vindas, da deliberada excentricidade e da atmosfera de incomum ironia que persiste durante todo o tempo no filme de O’Russell, e embora esse elemento seja certamente grande parte de seu charme e diferenciação, ele é também seu calcanhar de Aquiles –o diretor O’Russell sempre foi muito afeito à esquisitices pontuais em suas narrativas. Em alguns casos, esse gosto curioso e apurado resultou em obras que foram capazes de contornar o estranhamento para surpreender ou até emocionar seu público; em outros –sobretudo seus trabalhos de início de carreira como a bizarra comédia romântica “A Mão do Desejo”, o inconformista “Flying With Disaster” e o filme sobre e para loucos (!) “Huckabees” –o produto final acabava sendo tão distante das convenções que simplesmente não se revelava palatável ao público. É esse o caso, aqui, de “Amsterdam”.

Não é que não seja um bom trabalho (ele é), não é que seu elenco não esteja bem (Christian Bale, pra variar, se mostra excelente, e os nomes estelares da produção só mostram o quanto a reputação de O’Russell é positiva), não é que o roteiro seja ruim (muito pelo contrário, ele reúne com certa maestria elementos díspares que poderiam, com menos talento, jamais surgirem tão bem ordenados numa narrativa) e nem que a direção de O’Russell deixe a desejar (seu manejo das inúmeras facetas de gêneros que se presta a abordar é extremamente elegante e inspirado,e nunca soa forçado ou cansativo), mas o fato é que “Amsterdam”, na sua originalidade tão contundente, provavelmente, está condenado a ser um cult-movie, uma obra incompreendida que, nos anos ou décadas por vir, será redescoberta por cinéfilos e admiradores que o enaltecerão, observando nele as qualidades que não foram notadas na sua época.

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