quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Resistência


 Responsável pelo aclamado “Rogue One”, o diretor Garreth Edwards realizou este épico de ficção científica que, por sua vez, em muito lembra as obras de Neil Bloomkamp (como “Distrito 9”), nas quais o futurismo inerente ao gênero serve como um estudo das complexidades humanas. Centralizando um tema muito em pauta nas discussões atuais, “Resistência” esboça um mundo onde a Inteligência Artificial evoluiu exponencialmente, a ponto de fazer frente, como espécie, à própria raça humana; nesse mundo concebido por Edwards e por seu co-roteirista, o também diretor Chris Weitz, as máquinas podem sentir (são os chamados ‘simuladores’ tão incrivelmente similares aos humanos que com eles se confundem) e, na medida do possível, podem também lutar por seus direitos –nas imagens de arquivos graduais que abrem o filme, somos inteirados da história que colocou humanos e máquinas uns contra os outros, e de como os primeiros perderiam a batalha para os segundos não fosse uma nave colossal de guerra intitulada “Nomad”, capaz de dizimar cidades inteiras escaneando seus alvos de altitudes quase orbitais.

É curioso, portanto, que uma vez tendo contextualizado esse mundo incrível (e, ainda assim, adornado de ponta a ponta com elementos palpitantes de realidade) o diretor foca sua trama num cerne assim tão intimista: O calejado soldado Joshua (John David Washington, filho de Denzel Washington e protagonista de “Tenet”), no decurso de uma missão na qual deveria rastrear a misteriosa Nirmata (uma entidade ou alguém que controla todas as estratégias adotadas pelas máquinas), acaba perdendo seu grande amor, Maya (Gemma Chan, de “Eternos”) em meio à um pesado ataque em ilhas isoladas do continente outrora conhecido como Ásia onde as máquinas criaram um reduto no qual embrenham-se e misturam-se robôs, ‘simuladores’ e humanos simpatizantes.

Cinco anos depois, Joshua é chamado para uma nova missão: A Coronel Howell (Alisson Janney) requer os resquícios de memória dele, de quando lá esteve infiltrado, para voltar à Nova Ásia e por lá encontrar o que parece ser uma espécie de arma elaborada pela resistência a favor das máquinas. Tal arma, Joshua descobre, é a garotinha Alphie (Madeleine Yuna Voyles), um ‘simulador’ de tamanha perfeição que replica involuntariamente o comportamento de uma criança, e como tal, aprende, cresce e evolui dia-a-dia. Alphie também tem poderes –pode controlar remotamente algumas máquinas próximas –que irão evoluir junto como ela, até que seja capaz de controlar a própria “Nomad” e destruí-la.

A missão da ensandecida Coronel Howell (como são ensandecidos todos os militares deste filme, inclusive seu vilão-mor, interpretado pelo ótimo Ralph Ineson) é, assim, eliminar Alphie, entretanto, Joshua é, ao mesmo tempo, aquele que pode levá-la até ela, e aquele que não a deixará eliminá-la: Alphie pode ou não ter sido criada com base na filha que ele perdeu no mesmo ataque em que Maya, ainda grávida, foi morta (!). Mais; talvez, a própria Maya possa ainda estar viva (pois há uma chance de que fosse ela a misteriosa Nirmata, esse tempo todo) e somente Alphie é capaz de levá-lo até onde ela está.

Construído com tanta ação quanto reflexão, o filme de Edwards não esconde que seu diretor ainda trabalha sobre a sombra da mitologia “Star Wars” –como lá, a premissa, no fim das contas, continua sendo a de rebeldes envoltos em surpreendente tecnologia tentando minar o poder destrutivo de uma Estrela da Morte –porém, ele o faz com uma obra de qualidade insuspeita. Mais do que qualquer outro filme já feito sobre o tema da Inteligência Artificial e seu eterno embate contra os nossos conceitos e preconceitos, “Resistência” apaga as linhas divisórias entre o que é humano e o que é mecânico –mais até do que obras que foram audaciosamente nessa direção como “Blade Runner” e “Blade Runner 2049”, “A.I.Inteligência Artificial”, “Ex-Machina” e o reflexivo “Ghost In The Shell” –criando personagens, ambientes e cenários que levantam a perturbadora discussão: Qual é, afinal, a virtude dos seres de carne e osso se eles ostentam tanta ou até mais predisposição à destruição e à auto-destruição do que os seres sintéticos?

Num emprego absurdamente inteligente e hábil dos efeitos visuais (merecedores de ganhar um certo careca dourado...), o mundo concebido em “Resistência” nos entrega cenas espantosas de um ambiente palpável, orgânico, não despido de tradição, empatia e texturas infindas para mostrar um cenário onde máquinas se integraram de tal forma ao ser humano que se tornaram quase simbióticas em relação à coisas que, presumia-se, eram tão intrinsecamente humanas como sua ancestralidade, seu exotismo e suas crenças.

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