quarta-feira, 29 de novembro de 2017

A. I. Inteligência Artificial

A arte de criar mundos imaginados e neles imergir o público –quando realizada com exatidão e preciosismo –é tarefa de poucos gênios isolados. Daí o fato de um filme desigual como “A.I. Inteligência Artificial” despertar intriga e até algum alvoroço na época de seu lançamento: Tratava-se ele da conjunção inédita de duas das mais superlativas mentes criativas que o cinema já havia testemunhado, Stanley Kubrick e Steven Spielberg.
Ainda que isso ocorresse de uma maneira agridoce –o estilo de Kubrick de filmar, como ficou conhecido, leva tempo e consumia, às vezes, anos de dedicação de seu elenco e sua equipe técnica, como podem atestar os dois anos gastos para realizar “De Olhos Bem Fechados”, sua última obra. Devido a isso, muitos foram os filmes que Kubrick se obrigou a deixar de fazer, como o projeto “The Arian Papers”, abortado por coincidir com o lançamento de “A Lista de Schindler”, do próprio Spielberg que possuía tema semelhante.
Mas, um projeto persistia em seu coração: A história de “A.I. Inteligência Artificial”, extraída do livro “Superbrinquedos Duram O Verão Todo”, de Brian Aldiss, que Kubrick acarinhava desde a década de 1980, de certa forma, inspirado pelo cult “Blade Ranner-O Caçador de Andróides”. A realização, contudo, encontrava obstáculos em várias características de Kubrick como realizador: O personagem principal era um menino (ou melhor, um menino-robô) e o método extenso e demorado de Kubrick filmar poderia levar a criança protagonista a envelhecer diante das câmeras (daí, uma decisão subseqüente de talvez empregar um personagem digital, embora na época os efeitos especiais não tivessem evoluído o suficiente para materializar tal intento); o conceito de fabula em si, inerente à história pedia por um realizador mais lúdico e menos corrosivo –o quê levou Kubrick a oferecer o projeto à seu amigo Spielberg, que lisonjeado ainda assim recusou. Mas, Kubrick almejava levar “A.I.” às telas, e decidiu que seria seu projeto imediatamente posterior à “De Olhos Bem Fechados”.
Então, Kubrick morreu.
Ciente do imenso valor que “A.I.” tinha para o amigo, Spielberg resolveu então assumir a direção do filme e terminá-lo preservando, na medida do possível, as características que Kubrick havia imaginado para ele –e deve ter sido um desafio decifrar as caóticas anotações de pré-produção que Kubrick elaborou para “A.I.” ao longo dos anos –ainda que também fazendo dele algo seu, o quê o filme também é, visto que ele abarca muito das obsessões que o próprio Spielberg trabalhou ao longo da carreira.
No futuro, uma mãe desolada (Frances O’ Connor) cujo filho se encontra em coma num hospital recebe um robozinho protótipo capaz de manifestar emoções se ela assim o desejar. O robozinho, David (o magistral Haley Joel Osment, o garotinho de “O Sexto Sentido”), se parece com criança e apresenta emoções de criança, inclusive ao amá-la como se fosse sua mãe. Mas o filho verdadeiro desperta do coma, o que a obriga a escolher por um dos dois. Assim, ela deixa David no meio de uma floresta de onde ele partirá para uma jornada por esse mundo do futuro, acompanhado de Gigolo Joe (Jude Law, ótimo), um robô adulto não tão avançado. David anseia acima de tudo, encontrar a Fada Azul, de quem ele ouvira falar ao escutar a história de "Pinóquio", para que possa pedir a ela para transformá-lo num menino de carne e osso, e ele possa assim voltar para sua mãe.
Do jeito como está, “A.I.” possui uma razoável harmonia entre os conceitos de Kubrick –mantidos por Spielberg numa narrativa respeitosa que, sobretudo, em sua primeira parte, busca emular os enquadramentos formais, o distanciamento emocional e o estilo de Kubrick –e as alterações inevitáveis para que Spielberg concluísse a obra, que em suas mãos soa muito mais como um conto de fadas do que se tivesse sido feito por Kubrick –que, certamente, teria dado um tom mais lúgubre e transgressivo ao filme.
O único pecado de Spielberg de fato é a falta de objetividade (que sobrava em Kubrick) em relação ao protagonista com o qual se apegou: Ele estende o filme um ato a mais –onde introduz alienígenas como uma forma de auto-referência –para proporcionar um prólogo onde o menino-robô David encontra algo próximo de uma redenção.

Ainda que neste momento –e somente nele –o filme de Spielberg adquira ares redundantes.

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