terça-feira, 5 de setembro de 2017

Feitiço do Tempo

Uma das melhores comédias realizadas nos anos 1990, este trabalho brilhante do diretor Harold Ramis equilibra certa reflexão filosófica com um humor irresistível e prazeroso, obtido graças ao fato do ator Bill Murray, assim como vários membros da equipe técnica e do elenco, estar em estado de graça.
Murray usa de seu impecável retrato do cinismo –cujo uso constante só não o rotulou porque Murray sempre ostentou uma insuspeita competência muito pouco reconhecida –para interpretar Phil Connors, o arrogante repórter de uma emissora de TV que, no dia registrado em questão, vê sua impaciência ser posta a teste durante o período em que, muito a contragosto, deve ir para a gélida cidadezinha de Punxsutawney (que nome, hein?!), na Pensilvânia, cobrir o evento chamado, Dia da Marmota.
Ele acorda –insatisfeito com as acomodações do hotel onde está hospedado –faz seu serviço (que basicamente resume-se a cobrir a evento em que a população assiste à uma marmota sair de dentro da terra) e dedica-se então a aporrinhar sua equipe (a produtora interpretada pela bela Andie McDowell e o cameraman interpretado por Chris Elliott) para ir embora logo de uma vez. Para sua indignação, não é o que acontece: A previsão do tempo alerta sobre uma nevasca, obrigando-os a ficar por lá.
É nesse ponto, contudo, que o filme de Harold Ramis dá sua maravilhosa guinada: Sem quaisquer explicações, sejam de ordem fantástica, literária ou até mesmo figurada, o dia se repete –Phil acorda na manhã seguinte e descobre que está vivendo novamente o dia anterior, e que somente ele parece se dar conta desse detalhe.
E no dia seguinte, tal loucura torna a acontecer, e no outro depois dele, sucessivamente. Phil se vê preso no que parece ser uma versão cômica de alguma premissa que ficaria muito bem num dos episódios da série de TV, “Além da Imaginação”.
Conforme se adapta à sua condição de existência contínua em um único dia, Phil experimenta as diferentes etapas que a mente humana atravessa rumo a uma espécie de amadurecimento: Perplexidade, euforia, graça, irritação, angústia, desespero e, por fim, aceitação.
“Feitiço do Tempo” não se enquadra naquela categoria de filmes, sobretudo comédias, que certos expectadores assistem com o superficial intuito de se divertir e depois esquecer (embora seja, sim, inapelavelmente divertido); ele se vale do humor para oferecer ao público uma noção descontraída e vívida do conceito de karma e dharma, o ciclo que engloba o objetivo de atingir equilíbrio e sabedoria e, por conseguinte, o domínio da psique, além de incluir o famoso conceito do Eterno Retorno, de Friedrich Nietzsche, nas entrelinhas graciosas de seu enredo.
Eis, então, o pulo do gato: Um filme divertido, otimista e contagiante, provido também de inúmeras camadas de interpretação.

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