quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Blade Runner 2049

Incrível como o roteiro escrito por Michael Green e Hampton Fancher (este último, um dos roteiristas do primeiro filme) consegue dar continuidade louvável à trama do cultuado “Blade Runner-O Caçadorde Andróides” sem, no entanto, cair na fácil armadilha de esclarecer alguns dos mistérios que fizeram a fama tão perene do filme original.
Dirigido por Denis Villeneuve que substitui Ridley Scott com perícia e propriedade, “Blade Runner 2049” mergulha nas questões profundas que enriqueciam e engrandeciam o filme anterior: O limite entre o que é sintético e o que é orgânico, entre o artificial e o natural, e a capacidade assombrosa e quantitativa que a tecnologia tem para apagar essas fronteiras.
Se a capacidade de sentir emoções era a diferença entre humanos e máquinas em 9 entre 10 filmes de ficção científica com esse enredo, não é no primoroso trabalho de Villeneuve: Os replicantes –andróides feitos de carne e osso que no filme original, passado em 2019, trinta anos antes deste, se rebelaram contra os criadores –já a muito desenvolveram capacidade para sentir; como é explicitado na relação de afetuosidade doméstica entre o personagem de Ryan Gosling e a inteligência artificial vivida pela absurdamente deliciosa Ana De Armas (de “Bata Antes de Entrar”), e já era mostrado também no filme original, no relacionamento relutante, porém intenso entre Deckard (Harrison Ford) e Rachel (Sean Young).
A grande diferença –ao menos, muitos presumiam –era o fato de que humanos, como todas as outras formas de vida orgânica, podem procriar.
Contudo, quando o Oficial K (Ryan Gosling, extraordinário) descobre os restos mortais de Rachel e, numa autópsia minuciosamente futurística, fica evidente que a replicante do filme anterior morreu ao dar a luz (!), descobre-se a abertura de um precedente para colocar os replicantes em pé de igualdade com os humanos (e sendo assim, confrontá-los, na possibilidade de uma devastadora guerra civil). As ordens de K dadas por sua chefe (Robin Wright) são então para consumir com todas as provas e testemunhas, incluindo aí encontrar o paradeiro do ex-blade runner Deckard, pai do filho desaparecido de Rachel.
É uma corrida contra o tempo: Atrás de Deckard e de seu segredo, por inúmeras razões existenciais e políticas, está também o inventor e milionário Niander Wallace (Jared Leto), uma espécie de herdeiro do legado da Tyrell Corporation, que coloca, no encalço de K, a fria e implacável Luv (Sylvia Hoeks, uma das grandes antagonistas do ano).
E dizer mais entra no perigoso terreno em que se entrega demais a trama cujas reviravoltas são tão geniais e inesperadas quanto a força do cinema de Villeneuve.
Eram poucos, hoje, os cineastas verdadeiramente capazes de criar uma continuidade válida para o seminal trabalho que Scott entregou em 1982 (nem o próprio Ridley Scott foi capaz de fazê-lo, pré-sequenciando seu “Alien” de maneira vulgar e insatisfatória com “Prometheus” e “Alien-Covenant”), certamente, muitos foram os que temeram o resultado.
Entretanto, Villeneuve abraça o material com a mesma tenacidade com a qual moldou em “A Chegada” uma das melhores ficções dos últimos anos: “Blade Runner 2049” amplia o escopo do fabuloso e caótico mundo futurista visto no original (agora, não só Los Angeles é vista –numa recriação e ampliação fenomenal dos cenários do primeiro filme –como também vemos os inacreditáveis escombros a perder de vista em Detroit, e o deserto radioativo e abandonado de Las Vegas), dá uma seqüência natural, inteligente e reflexiva à sua trama, honra todas as suas questões mostrando-se tão fascinante quanto e deixa, ao fim, ainda mais perguntas do que respostas –é, pois, um espécime raro no mainstream hollywoodiano, um filme que instiga, impõe questionamentos e reflexões, e nos leva a pensar acerca de nossa humanidade e de suas mais ínfimas imbricações.
Ele supera ainda o original, numa questão bastante inesperada: No afeto que Villeneuve e sua técnica prodigiosa capturam entre seus diversos personagens, nos flagrantes de vínculos que os fazem humanos e lembram, em pormenores poderosos, a importância fundamental da vida e o poder inigualável do amor.

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