quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Kairo

Durante a década de 1990 até o início dos anos 2000, ficou claro que os cineastas japoneses estavam entre os melhores do mundo na retratação de atmosferas, o quê freqüentemente gerava filmes de terror memoráveis. Era uma época de assimilação de todo um novo mundo de modernidades e o terror japonês soube empregar a concepção dessa transformação essencial da sociedade promovida pela tecnologia numa sucessão impressionante de bons e relevantes trabalhos. Em “Ringu”, o diretor Hideo Nakata criou uma mitologia aterrorizante em torno de uma fita de VHS assombrada; no seminal “Audition”, o mestre Takashi Miike traduziu temores impronunciáveis inerentes aos relacionamentos virtuais modernos.
Alguns –os de perfil mais mercadológico dessa leva –logo ganharam refilmagens norte-americanas como “O Chamado” (remake de “Ringu”), “O Grito” ou “Uma Chamada Perdida”.
Havia, entretanto, aqueles realizadores cujo estilo se mostrava mais iconoclasta aos interesses de Hollywood, dentre eles, Kiyoshi Kurosawa era de uma dubiedade desafiadora: Ele subvertia a simplicidade de uma premissa básica para moldar enigmas inquietantes construídos de cenas e acontecimentos que, de início, aparentavam aleatoriedade e uma desilusão profunda.
Prova disso é o seu lúgubre e angustiante “A Cura”. Seguido de “Charisma” e por este “Kairo”, eles parecem formar uma estranha trilogia sobre os temores indizíveis da depressão moderna.
Ao início de “Kairo”, acompanhamos a jovem Michi (Kumiko Aso) preocupada com o amigo, Taguchi.
Um daqueles jovens experts em informática de se manifestaram no início do milênio (o filme é de 2001) quando computadores e internet eram algo de difícil decifração para os leigos, Tagushi há dias não dá notícias, envolvido que estava com um disquete misterioso. No apartamento dele, Michi o encontra, para segundos depois vê-lo se suicidar.
Sem a menor explicação.
Quando julgamos que este será o mote de “Kairo” –à exemplo de outros filmes nipônicos de terror –Kiyoshi Kurosawa dá início a uma segunda linha narrativa, desta vez, acompanhando o jovem Ryosuke (Kato Haruhiko) que, sem o menor conhecimento em computação, começa a ser amedrontado por um site de fantasmas (!) que insiste em aparecer na tela de seu computador. Ele busca o auxílio da especialista Harue (a belíssima Koyuki), a única que lhe dá alguma atenção, mas justamente quando ela e Ryosuke começam a construir um relacionamento, ela parece ser tragada por uma depressão irreprimível –aparentemente o maior mal causado por essas assombrações.
Aos poucos, as histórias de Michi e Ryosuke vão se fundir na medida em que a cidade onde transcorre o filme vai se esvaziando –as ruas passam a mostrar um deserto e uma desolação cada vez mais aflitiva –e estes ‘fantasmas da internet’ (um dos personagens murmura uma teoria de que viriam de um mundo espiritual, paralelo ao nosso e superlotado) conduzem as pessoas ao suicídio; ou mesmo, a um mero desaparecimento na forma de manchas na parede. A personagem de Harue levanta uma analogia ainda mais desconcertante: A de que os fantasmas (os mortos, portanto) já não têm mais qualquer distinção dos vivos, uma vez que as pessoas se isolam umas das outras em frente às telas de seus computadores.
O verdadeiro terror no filme de Kiyoshi Kurosawa é a solidão, a falta de interação humana e o vazio que a modernidade traz.
Visto hoje, “Kairo” se revela datado em termos estéticos –os computadores brancos e monocromáticos e o ruído da internet discada são bastante anacrônicos –mas, não em termos dramáticos: Seu comentário crítico a respeito do isolamento acarretado pela tecnologia virtual e o desgaste das relações humanas –que, no clímax surreal do filme conduz até mesmo à uma espécie de apocalipse existencial –é mais do que relevante, ele é profético!
Em tempo, “Kairo” não escapou de ganhar uma refilmagem norte-americana: O equivocado e falho “Pulse”, de 2006.

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