quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Ondine

Lembra vagamente "A Dama Na Água" (o irregular, equivocado e por isso mesmo incompreendido trabalho de M. Night Shyamalan) esta delicada obra do diretor Neil Jordan, sempre num equilíbrio, como lhe é de costume, entre a tensão da realidade e as possibilidades subversivas da imaginação.
Jordan vinha de um projeto sob encomenda para um grande estúdio (o thriller policial “Valente”, com Jodie Foster, de 2007) e, com efeito, almejava uma espécie de retorno ao esquema cinematográfico mais simples –destituído do cinismo, da competitividade e das esmagadoras pressões comerciais –lá do início de sua carreira, nos anos 1980, quando fez obras mais singelas como “Mona Lisa” ou “À Procura do Destino”.
Talvez seja por isso que esse retorno às origens seja também um retorno às reminiscências, às histórias de infância com uma ênfase na atmosfera lúdica das lendas da Irlanda.
Este certamente não é o corrosivo e contundente Neil Jordan que entregou, ainda jovem, a brilhante fábula adulta “Na Companhia dos Lobos”; Jordan agora é um cineasta veterano e experiente, conhecedor dos meandros difíceis e extenuantes de Hollywood por meio de, pelo menos, uma grande produção –o ótimo “Entrevista Com O Vampiro” –o que torna seu olhar voltado para o passado dotado de uma ternura que outrora ele talvez não fosse capaz de expressar: Na costa da Irlanda, o humilde pescador regional Syracuse (Colin Farrell) encontra, enroscada em sua rede, uma bela garota, sem memória que afirma se chamar Ondine –um achado a bela atriz Alicja Bachleda, de incomum presença.
Syracuse acolhe Ondine, sem muito saber o rumo que sua ligação com ela terá: a moça mal fala de seu passado e insiste em nunca ver, nem ser vista por ninguém. Ele suspeita que ela seja uma selkie; seres das lendas irlandesas que deixam ocasionalmente sua morada no mar.
Há uma verdade muito palpável nas angústias convulsivas do sentimento que se percebe registrado aqui –o ator Colin Farrell, logo depois, teve um filho com a atriz Alicja Bachleda.
Tão ressonante foi para Jordan a redescoberta de uma ligação com sua terra-natal feita em “Ondine” que, desde então, ele dedicou-se a filmes menores, quase sempre ambientados por lá, arriscando inclusive uma nova (e completamente diferente) incursão no gênero dos filmes de vampiro com o lírico e curioso “Byzantium”.

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