terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Um Homem Difícil de Matar

O conceito de um epílogo crepuscular para os bravos e rústicos homens que moldaram a América durante o Velho Oeste já havia surgido na obra-prima “Era Uma Vez No Oeste”, de Sergio Leone. Todavia, essa noção não ocupava o cerne da premissa, servindo mais como uma pertinente observação acerca de um primoroso exemplar do faoreste spaghetti em geral, e da técnica extraordinária de Leone em particular.
Entretanto, em “Um Homem Difícil de Matar” esse conceito resume o próprio filme.
Esta estréia na direção do fotógrafo de “O Bebêde Rosemary” e “Bullit”, William A. Fraker, surpreende pela indistinta compreensão de drama que ele demonstra: “Um Homem Difícil de Matar” é, por isso mesmo, um filme lindamente climático onde as impressões provocadas pela trilha sonora e as minúcias captadas nas nuances das atuações dizem tanto, ou mais, do que a tensão de tiroteios iminentes.
Os vaqueiros Monte Walsh (Lee Marvin, primordial) e Chet (Jack Palance) são grandes amigos de longa data. E são também homens de natureza arredia, avessos aos meandros complicados das cidades, acostumados ao ar livre, ao serviço de exigente preparo físico, ao trato com os animais mais que com as pessoas.
E logo ambos –talvez, Chet um pouco mais do que Monte –vão se dando conta que o modo de vida que os orienta está por se acabar: Para homens como eles, o ganha-pão disponível e o dinheiro que lhes provem está cada vez mais escasso. As grandes empresas avançam pelo Oeste Bravio. As cidades crescem. O progresso toma conta das pradarias. Não há mais espaço para homens brutos e beligerantes como eles.
Se por um lado, Chet já vislumbra algo assim e, tomado por um bom senso que lhe sobra mais do que no amigo, já ensaia um casamento com a viúva de uma cidade próxima e um recomeço como ferramenteiro, por outro, colegas de labuta como o destemperado Shorty (Mitchell Ryan), na absoluta falta de aptidão para qualquer outra profissão, já enveredam para as atividades fora da lei –e o roubo das mesmas cabeças de gado que antes cuidavam e tratavam é apenas o princípio do ciclo criminoso.
Em sua interiorizada perplexidade, Monte se mantém numa espécie de equilíbrio: Pode muito bem não sucumbir à bandidagem como muitos, mas sabe que as cidades e seu processo de civilização conduzem por um caminho que ele é incapaz de trilhar. Sua inconclusa ainda que amorosa relação de anos com a prostituta Martine (Jeanne Moreau, emprestando encanto legítimo à personagem) é um exemplo disso: Monte a ama, não há dúvida, no entanto tem consciência de que não é, nem nunca será, o marido que ela merece –e, na incapacidade para expressar essa constatação, se mantém, distante com a exceção de ocasionais visitas.
Conforme a narrativa progride, o diretor Fraker irá conduzir Monte à uma situação da qual buscou fugir desde o princípio: O momento em que terá de fazer uma escolha.
Quando tal momento chega, ele não somente parece impor uma única alternativa viável à Monte (afinal, ele esperou demais, e algumas coisas se tornaram assim, inevitáveis) como também ele vem elaborado em torno de alguns dos mais paradigmáticos elementos do gênero: O duelo mortal entre os antagonistas –impregnado por uma concepção de honra e de justiça que os homens civilizados já não seriam mais capazes de compreender.
Fraker remove de seu filme a celebração da vitória, o reconhecimento pela bravura, ou qualquer enaltecimento que os cowboys experimentaram no auge de seu gênero, ao invés disso, a introspecção de sua narrativa conduz seu herói solitário a um arremate quase assimétrico no final do filme.
Realizado em 1970, “Um Homem Difícil de Matar” é revisionista e outonal, as únicas características possíveis para um faroeste existir naqueles tempos –do contrário, ele acabaria sendo mais um faroeste spaghetti –diferente das obras de Sergio Leone e seus conterrâneos, que buscavam a amplitude de seu sub-gênero numa redefinição épica, os faroestes norte-americanos de fato, herdeiros de John Ford, como este maravilhoso exemplar, precisavam voltar seu olhar para si mesmos e compreender –como Monte Walsh, na melancólica cena final –que, fosse o Velho Oeste dentro do filme ou o apogeu comercial do gênero fora dele, este era um tempo que havia se passado.

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