Perto do fim da década de 1990, após um hiato
de tempo sem filmar, o diretor Sam Raimi pareceu enveredar por um cinema mais
sério, sinalizando uma espécie de amadurecimento como cineasta. Exemplificando
essa fase, o suspense “Um Plano Simples” surpreendia pela austeridade e pela
solidez narrativa mesmo guardando, nas entrelinhas, elementos que ainda
agregavam o estilo de Raimi –ele parecia enfim estar tomando o rumo que seus
grandes amigos, os Irmãos Coen, também tomaram.
Insistindo nesse caminho, ele deu
prosseguimento a realização de obras mais adultas com este “O Dom da
Premonição” que, de fato, na filmografia de Raimi, só encontra similaridades
mesmo com “Um Plano Simples”.
Todavia, “O Dom...” já recupera os elementos
sobrenaturais do início de sua carreira.
Numa variação de sua colaboração em “Um Plano
Simples”, o roteiro é escrito pelo ator Billy Bob Thornton (que a maioria
lembra de seus trabalhos como ator, mas, vale lembrar, ganhou o Oscar de Melhor
Roteiro Adaptado em 1997, por “Na Corda Bamba”).
É, pois, uma notável reunião de talentos: Além
de Raimi e Thornton atrás das câmeras, o elenco reúne a espetacular Cate
Blanchett, a oscarizada Hillary Swank (ela tinha acabado de ganhar o Oscar de
Melhor Atriz por “Meninos Não Choram” e ainda ganharia outro, anos depois, por
“Menina de Ouro”), o badalado astro de “Matrix” (lançado um ano antes), Keanu
Reeves, o ótimo Gregg Kinnear e a jovem Katie Holmes (que, neste filme, tem uma
cena de nudez!).
Na trama –que remete a uma ambientação do sul
da Flórida muito similar à “Na Corda Bamba”, de Thornton –acompanha Annie
Wilson (a sempre excelente Cate Blanchett), uma moradora de uma pitoresca
cidade sulista e, nas características que a definem, amplamente inspirada na
mãe do próprio Billy Bob: Annie é mãe solteira e cria os filhos valendo-se de
clientes interessados em suas habilidades premonitórias como uma espécie de
vidente.
Em sua inata experiência para elaborar um bom
suspense, o diretor Sam Raimi, muito à vontade no gênero, cerca essa
protagonista de personagens coadjuvantes pitorescos e peculiares que justificam
plenamente esse elenco estelar (que normalmente um diretor gabaritado como
Raimi atrai) e que constituem uma galeria de suspeitos para a colcha de
retalhos que a premissa costura: Há o limitado e infantil mecânico Buddy
(Giovanni Ribisi), a dona de casa Valerie (Hillary), completamente displicente
e passiva em relação à violência que sofre do marido (Keanu Reeves,
inesperadamente assustador, é talvez a melhor presença do elenco) e até mesmo o
diretor da escola (Gregg Kinnear), por quem Annie nutre uma simpatia especial
embora ele seja noivo de Jessica King (Katie), uma garota promiscua que se
envolveu co quase todos os homens da cidade.
As habilidades paranormais de Annie tornam-se
uma maldição quando suas visões começam a revelar para ela assassinatos
iminentes, ou que podem até já ter acontecido –relacionados, inclusive ao
súbito desaparecimento de Jessica.
“O Dom da Premonição” é assim quase um meio
termo entre a sutileza brilhante de "Um Plano Simples" e as
desconcertantes inserções sobrenaturais de "Evil Dead" –com uma
nítida inclinação de Raimi para com a seriedade do primeiro, certamente,
visando alguma aclamação por esse esforço em amadurecer (“Um Plano Simples”, é
bom lembrar teve duas indicações ao Oscar).
Entretanto, como logo ficou claro, Raimi não
conseguiu deixar de lado suas paixões de juventude: Ao contrário dos Coen, que
souberam conduzir tramas e atmosferas de cunho adulto com o mesmo brilho e
entusiasmo de suas obras frenéticas do início da carreira, Raimi não sustentou
por muito tempo essa sua tentativa de reinvenção (e este trabalho realmente se
ressente de tentar emular o mesmo tipo de narrativa de “Um Plano Simples”) e
voltou para os filmes mais fantasiosos com os quais se identificava –logo em
seguida, ele assinou contrato para dirigir a aguardada adaptação de
“Homem-Aranha” (cujo sucesso desdobrou-se numa trilogia que o ocupou por quase
uma década) e realizou um filme de terror nos moldes mirabolantes de “Evil
Dead”; o divertido “Arraste-Me Para O Inferno”.
Lá no fundo, o diretor Sam
Raimi não queria mesmo crescer.
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