quinta-feira, 5 de abril de 2018

Poderes Eróticos

Uma das coisas surpreendentes desta animação japonesa dos anos 1980 –e, por sua peculiaridade hoje bastante desconhecida e obscura –é o altíssimo padrão de qualidade de seus desenhos de fundo (tão bem acabados que chegam a parecerem reais) e a excelência habitual que predomina nas obras concebidas no Japão. Talvez, o elemento que, de fato, surpreende na animação seja o fato de que tal acabamento fica a serviço de uma obra pontuada por cenas de nudez e sexo (algumas bem explícitas) –se uma animação nesses moldes fosse produzida nos EUA, por exemplo, teria de ser realizada e financiada completamente às margens das grandes produtoras, só para se ter uma idéia do quão curioso e inusitado é o sistema criativo que vigora nas animações japonesas.
“Wicked City” –seu título original, muito mais elegante e menos apelativo do que “Poderes Eróticos” –se ambienta numa realidade alternativa próxima do final do século XX, onde a cidade de Tóquio testemunha as constantes tentativas de convivência de duas espécies distintas: Os humanos e os mutantes –e sendo de 1987, esta animação saiu muito antes dos “X-Men” migrarem com esse mesmo conceito do restrito nicho dos quadrinhos para filmes, animações e o mundo.
Os mutantes neste filme, contudo, não diferem tanto assim daqueles criados por Stan Lee: Têm poderes diferenciados, em alguns casos, uma aparência até inumana. E, não raro, formando células de guerrilha que almejam tomar toda a cidade para si.
A ordem é mantida graças a assinatura de uma espécie de Tratado de Paz que faz com que ambas as espécies se unam em unidades apaziguadoras. A cada 100 anos, esse tratado precisa ser renovado e, com o século XX prestes a terminar, o último tratado também se aproxima de seu vencimento.
É aí que entra o policial Taki, o herói cínico e embevecido de várias outras características noir do filme: A ele é incumbida a missão de proteger o ancião que irá assinar o novo tratado de pacificação.
Para ajudá-lo, Taki recebe a companhia de uma bela e sexy mutante chamada Makie, cujas habilidades incomuns incluem unhas extensíveis com as quais pode ser letal.
Para confrontá-lo, uma facção subversiva de mutantes tem elaborados planos que visam matar o ancião. E nesse ínterim, a animação de Yoshiaki Kawajiri (diretor de “Ninja Scroll” e do episódio de “Animatrix” intitulado “Coração de Soldado”) pontua sua narrativa com seqüências eróticas que superam muitos filmes adultos de alta classificação indicativa: São stripteases, cenas de sexo, masturbação e outros artifícios que contam com bizarrices habituais das animações japonesas como um ‘mulher-aranha’, logo no início, cuja genitália parece uma bocarra crivada de dentes (!), um vilão transmorfo e regenerativo, e uma sensual prostituta capaz de se dissolver e absorver outros indivíduos através de seu ventre (!).
Esses fetiches com inapelável perversão integram uma obra que dialoga com gêneros como o suspense, o policial e a ficção científica obedecendo a inúmeros conceitos de cada um.
A despeito da lubricidade flagrante (e até alarmante) que se percebe nesta animação pra lá de incomum –e talvez até chocante para alguns expectadores –é possível notar uma concepção futurista sólida da parte de seus realizadores, na qual eles enxergam o verdadeiro perigo à sociedade não na tecnologia e seus desdobramentos venais, mas nos próprios seres vivos que articulam suas próprias guerras.

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