Uma das coisas surpreendentes desta animação
japonesa dos anos 1980 –e, por sua peculiaridade hoje bastante desconhecida e
obscura –é o altíssimo padrão de qualidade de seus desenhos de fundo (tão bem
acabados que chegam a parecerem reais) e a excelência habitual que predomina
nas obras concebidas no Japão. Talvez, o elemento que, de fato, surpreende na
animação seja o fato de que tal acabamento fica a serviço de uma obra pontuada
por cenas de nudez e sexo (algumas bem explícitas) –se uma animação nesses
moldes fosse produzida nos EUA, por exemplo, teria de ser realizada e
financiada completamente às margens das grandes produtoras, só para se ter uma
idéia do quão curioso e inusitado é o sistema criativo que vigora nas animações
japonesas.
“Wicked City” –seu título original, muito mais
elegante e menos apelativo do que “Poderes Eróticos” –se ambienta numa
realidade alternativa próxima do final do século XX, onde a cidade de Tóquio
testemunha as constantes tentativas de convivência de duas espécies distintas:
Os humanos e os mutantes –e sendo de 1987, esta animação saiu muito antes dos
“X-Men” migrarem com esse mesmo conceito do restrito nicho dos quadrinhos para filmes, animações e o mundo.
Os mutantes neste filme, contudo, não diferem
tanto assim daqueles criados por Stan Lee: Têm poderes diferenciados, em alguns
casos, uma aparência até inumana. E, não raro, formando células de guerrilha
que almejam tomar toda a cidade para si.
A ordem é mantida graças a assinatura de uma
espécie de Tratado de Paz que faz com que ambas as espécies se unam em unidades
apaziguadoras. A cada 100 anos, esse tratado precisa ser renovado e, com o
século XX prestes a terminar, o último tratado também se aproxima de seu
vencimento.
É aí que entra o policial Taki, o herói cínico
e embevecido de várias outras características noir do filme: A ele é incumbida
a missão de proteger o ancião que irá assinar o novo tratado de pacificação.
Para ajudá-lo, Taki recebe a companhia de uma
bela e sexy mutante chamada Makie, cujas habilidades incomuns incluem unhas
extensíveis com as quais pode ser letal.
Para confrontá-lo, uma facção subversiva de
mutantes tem elaborados planos que visam matar o ancião. E nesse ínterim, a
animação de Yoshiaki Kawajiri (diretor de “Ninja Scroll” e do episódio de
“Animatrix” intitulado “Coração de Soldado”) pontua sua narrativa com
seqüências eróticas que superam muitos filmes adultos de alta classificação
indicativa: São stripteases, cenas de sexo, masturbação e outros artifícios que
contam com bizarrices habituais das animações japonesas como um
‘mulher-aranha’, logo no início, cuja genitália parece uma bocarra crivada de
dentes (!), um vilão transmorfo e regenerativo, e uma sensual prostituta capaz
de se dissolver e absorver outros indivíduos através de seu ventre (!).
Esses fetiches com inapelável perversão
integram uma obra que dialoga com gêneros como o suspense, o policial e a
ficção científica obedecendo a inúmeros conceitos de cada um.
A despeito da lubricidade
flagrante (e até alarmante) que se percebe nesta animação pra lá de incomum –e
talvez até chocante para alguns expectadores –é possível notar uma concepção
futurista sólida da parte de seus realizadores, na qual eles enxergam o verdadeiro
perigo à sociedade não na tecnologia e seus desdobramentos venais, mas nos
próprios seres vivos que articulam suas próprias guerras.
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