quinta-feira, 5 de abril de 2018

Os Dois Mundos de Charly

Uma curiosa ficção científica que o diretor Ralph Nelson elaborou a partir do conto “Flowers For Algernon”, de Daniel Keyes, e que, lançada nos anos 1960 de então, absorve muitas das transgressões, inclusive narrativas, que estavam em voga no cinema daquele período gerando uma nova e audaciosa geração de realizadores.
Como é comum a filmes de apelo futurista, “Os Dois Mundos de Charly” não envelheceu muito bem no registro anacrônico de sua dramaturgia, porém, o teor insólito de sua premissa e a atuação prodigiosa de Cliff Robertson (que ganhou o Oscar de Melhor Ator) são quesitos de valor inconteste.
Na trama, Charly e Algernon são grandes amigos. Charly é retardado mental. Algernon é um rato (!). A relação tão harmoniosa entre o homem e o bichinho é radicalmente alterada quando Algernon é submetido a uma cirurgia experimental no cérebro, reestruturando o processo químico do intelecto o que lhe confere um aumento exponencial na inteligência.
Se antes a amizade com Algernon permitia ao limitado Charly ter um amigo (ainda que animal) sem as cobranças de esforço racional que implicam as relações humanas, agora não mais: Inteligente, Algernon chega a vencê-lo em cada teste de Q.I. que realizam.
É a Professora Alice Kinian (Claire Bloom, de “Viagens Alucinantes”, de Ken Russel) quem sugere a Charly passar pelo mesmo procedimento, fazendo dele a primeira cobaia humana para aquela experiência.
Assim um novo Charly acaba regressando de tal cirurgia: Agora transformado em gênio, ele em nada lembra o indivíduo simplório de antes, surpreendendo a todos com sua articulação e compreensão. Ainda assim, em todos os extremos visitados por seu protagonista –a da ignorância e o da genialidade –o diretor Nelson e, sobretudo, o ator Robertson conseguem vislumbrar a incontornável solidão que lhe é imposta; e que nunca muda.
Exceto quando o diretor cede às inclinações mais comerciais para se atentar à claudicante história de amor entre Charly e Alice, sua ex-professora.
Todavia, o rato Algernon fornece indícios de que o súbito aumento de inteligência é temporário: Ele começa a regressar à condição ordinária de outrora –e, com isso, presume-se que o mesmo ocorrerá a Charly.
Os Dois Mundos de Charly”, apesar de ter lá seus momentos, é um filme esmagado entre dois aspectos que o definem: De um lado, o impulso de originalidade sugerido em seu enredo e nas técnicas cinematográficas que tenta assimilar; e do outro, a constatação de que, como fantasia futurista, sua narrativa se contenta com pouco –leia-se, com o romance do aluno e sua professora e com o melodrama anunciado no qual um homem que se descobre privilegiado pela descoberta repentina da lucidez se vê assombrado pela injusta perspectiva de retornar à escuridão de sua própria mente.

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