Uma curiosa ficção científica que o diretor
Ralph Nelson elaborou a partir do conto “Flowers For Algernon”, de Daniel Keyes,
e que, lançada nos anos 1960 de então, absorve muitas das transgressões,
inclusive narrativas, que estavam em voga no cinema daquele período gerando uma
nova e audaciosa geração de realizadores.
Como é comum a filmes de apelo futurista, “Os
Dois Mundos de Charly” não envelheceu muito bem no registro anacrônico de sua
dramaturgia, porém, o teor insólito de sua premissa e a atuação prodigiosa de
Cliff Robertson (que ganhou o Oscar de Melhor Ator) são quesitos de valor
inconteste.
Na trama, Charly e Algernon são grandes amigos.
Charly é retardado mental. Algernon é um rato (!). A relação tão harmoniosa
entre o homem e o bichinho é radicalmente alterada quando Algernon é submetido
a uma cirurgia experimental no cérebro, reestruturando o processo químico do
intelecto o que lhe confere um aumento exponencial na inteligência.
Se antes a amizade com Algernon permitia ao
limitado Charly ter um amigo (ainda que animal) sem as cobranças de esforço
racional que implicam as relações humanas, agora não mais: Inteligente,
Algernon chega a vencê-lo em cada teste de Q.I. que realizam.
É a Professora Alice Kinian (Claire Bloom, de
“Viagens Alucinantes”, de Ken Russel) quem sugere a Charly passar pelo mesmo
procedimento, fazendo dele a primeira cobaia humana para aquela experiência.
Assim um novo Charly acaba regressando de tal
cirurgia: Agora transformado em gênio, ele em nada lembra o indivíduo simplório
de antes, surpreendendo a todos com sua articulação e compreensão. Ainda assim,
em todos os extremos visitados por seu protagonista –a da ignorância e o da
genialidade –o diretor Nelson e, sobretudo, o ator Robertson conseguem vislumbrar
a incontornável solidão que lhe é imposta; e que nunca muda.
Exceto quando o diretor cede às inclinações mais
comerciais para se atentar à claudicante história de amor entre Charly e Alice,
sua ex-professora.
Todavia, o rato Algernon fornece indícios de
que o súbito aumento de inteligência é temporário: Ele começa a regressar à
condição ordinária de outrora –e, com isso, presume-se que o mesmo ocorrerá a
Charly.
Os Dois Mundos de Charly”,
apesar de ter lá seus momentos, é um filme esmagado entre dois aspectos que o
definem: De um lado, o impulso de originalidade sugerido em seu enredo e nas
técnicas cinematográficas que tenta assimilar; e do outro, a constatação de
que, como fantasia futurista, sua narrativa se contenta com pouco –leia-se, com
o romance do aluno e sua professora e com o melodrama anunciado no qual um
homem que se descobre privilegiado pela descoberta repentina da lucidez se vê
assombrado pela injusta perspectiva de retornar à escuridão de sua própria
mente.
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