quinta-feira, 24 de maio de 2018

Anna Karenina


Dentre as três colaborações entre o bom diretor Joe Wright e a esforçada atriz Keira Knightley, “Orgulho e Preconceito” é o mais apreciado; “Desejo e Reparação”, o mais contundente e “Anna Karenina”, certamente, o mais ambicioso.
Isso porque não apenas Wright lança mão dos recursos sempre mais vistosos proporcionados pela alta tecnologia e pela extravagância do cinema atual para conceber uma adaptação ainda mais visualmente arrebatadora do que outras que vieram antes (como o clássico estrelado por Greta Garbo), mas ele também o faz por meio de um truque de linguagem desafiador e arriscado.
Neste “Anna Karenina”, as paredes se transmutam, os cenários adquirem modificações a medida que, em diversas trocas de cena, observamos os figurantes entrarem no filme e mudarem o cenário –que ocasionalmente é flagrado em seus aspectos artificiais.
Wright conta que optou por esse estilo a fim de enfatizar a atmosfera de mudança que predominava no contexto histórico da trama, a Rússia de 1874.
Lembra uma peça de teatro na qual a proposta experimental é de que os meandros técnicos da encenação interfiram na própria impressão do público –nem sempre funciona...
Bela como sempre e num meio termo entre a apatia e a tentativa de soar dramaticamente relevante, Keira Knightley é Anna, cujo casamento com Alexei (Jude Law, fugindo do habitual papel do conquistador romântico), definido pela incompatibilidade dos arranjos convenientes, já não tinha lá muito fulgor, mas desanda de uma vez quando ela decide se envolver com o aristocrata Vronsky (Aaron Taylor-Johnson, de “Kick Ass”), um amante que lhe oferece a palpitação com a qual um dia ela sonhou dentro de seu casamento.
Todavia, a sociedade rigorosa a qual pertence cobrará de Anna um terrível preço por suas escolhas quando o segredo de sua afeição extraconjugal for descoberto.
Anna é uma daquelas personagens-chave da literatura que determina a tragédia de seu destino ao entregar-se à inconseqüência das emoções. No filme, contudo, não é isso que ela termina sendo: Wright observa os comportamentos com uma contenção maior e mais ambígua do que normalmente o faz, e com isso, seus personagens parecem distanciados do expectador por uma curiosa barreira de incredulidade –é deveras difícil crer num amor incondicional entre ela e Vronsky, pois Taylor-Johnson deixa evidente demais para o expectador sua displicência para que a própria protagonista, por mais relapsa que seja (e é isso que a narrativa por vezes a faz parecer), também não a note.
É uma armadilha comum em filmes que retratam uma situação de adultério: Oferecer uma abordagem equivocada de personagens antagônicos e, no processo, inverter o objetivo da mensagem. Embora também apático, Alexei não ganha o repudio do público a ponto de fazê-lo torcer por Anna. Isso tudo e as relações que se constroem entre os três protagonistas e o restante dos personagens (interpretados por um elenco notável) padecem de uma dificuldade encontrada na suspensão de crença justamente devido à escolha estética do diretor. O tempo todo, o cenário que se converte em estúdio lembra ao público o faz-de-conta da encenação ainda que ela seja feita com empenho e beleza.

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