Uma prova do quão tardio foi o Oscar de Melhor
Ator vencido por Leonardo Dicaprio por “O Regresso” é sua atuação neste
“Gilbert Grape-Aprendiz de Sonhador” que lhe valeu sua primeira indicação ao
Oscar, como Melhor Ator Coadjuvante, aos quatorze anos –um trabalho
surpreendente e inquestionavelmente digno do prêmio.
No papel do personagem-título, por sua vez,
Johnny depp ostenta aquele carisma alternativo que fez dele um astro tão
incomum nos anos 1990.
Gilbert vive numa cidadezinha chamada Endora
capturada numa percepção tão intrínseca dos pormenores americanos que chega a
surpreender o fato de que este é só o segundo filme feito pelo diretor sueco
Lasse Halstrom nos EUA (o primeiro foi “Meu Querido Intruso”).
A família de Gilbert é uma coleção de figuras
tão bizarras quanto deprimentes: Além de Arnie (Dicaprio) seu irmão deficiente
mental, há também sua mãe (a inacreditável e comovente Darlene Cates) que uma
série de desilusões transformou numa mulher tão obesa que sequer consegue (ou
quer...) sair de dentro de casa. Sua irmã mais velha (Mary Kate Schellhardt)
vive para cozinhar indefinidamente para ela, e sua irmã mais nova (Laura
Harrington), na agressividade hormonal da adolescência, encena todos os clichês
da apatia.
Gilbert tem relativa consciência de estar
cercado por mediocridade por todos os lados, e disso não consegue escapar. Tem
um caso desengonçado e nada frutífero com uma mulher casada (Mary Steenburgen,
surpreendentemente sensual) e seus dois amigos (John C. Reilly e Crispin
Glover) sonham cada qual em obter trabalho em uma rede de fast-food (melhor
isso que os serviços redundantes a disposição) e com novas mortes entre os
cidadãos (esse é funcionário na única e desolada funerária local).
O contraponto a essa falta de perspectiva do
protagonista parece ser o relacionamento que aos poucos ele constrói com uma jovem
forasteira (Juliette Lewis) que surge na cidade.
Mesmo isso, contudo, tem seus dias contados
–seu romance só irá durar até que a avó dela encontre a peça defeituosa que fez
seu trailer enguiçar para então seguir viagem.
“Gilbert Grape” nesse leque de frivolidade da
vida contidiana fala sobre impressões tão universais quanto singulares;
contrapõe a vergonha de Gilbert pela figura folclórica da mãe com seus esforços
–quase convertidos em sacrifício –para ser um bom filho; e observa sua
perplexidade contida pelo cenário idílico que o aprisiona.
Tão dispersas e volúveis parecem as temáticas
do filme que se torna difícil palpitar sobre o quê Halstrom quer falar com
exatidão; ele captura a rotina e os pequenos dramas familiares de Gilbert
enumerando-os numa narrativa sedutora apesar de aparentar não levá-la a algum
lugar –ainda que seu desfecho tenha uma concisão que amarra maravilhosamente
bem os aspectos de sua premissa.
Ainda assim, é essa característica –a de ser
notável, interessante e envolvente mesmo diante de imensa banalidade que ocupa
seu cerne –o grande mérito deste filme.
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