Em 1971, o diretor, ator, roteirista e
compositor de trilha sonora Melvin Van Peebles, realizou o inovador e
desafiador “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song”, filme cuja postura
sociopolítica em colocar um inédito personagem negro pleno de contestação em
contraponto a um aproveitamento esperto de diversos códigos de gêneros cinematográficos
levou a um sucesso de público tão estrondoso quanto inesperado, originando todo
um novo movimento cinematográfico voltado ao público negro, assim representado.
Era, pois o estopim inicial da
‘blaxploitation’, ainda que, na intenção mais artística do que panfletária de
Van Peebles, ele quisesse apenas fazer um grande filme.
Os percalços para essa realização audaz foram
de altos e baixos tão inacreditáveis que espelhavam as dramaticidades da ficção
–e, portanto, não é espanto que eles vieram assim a inspirar também um filme
sobre tão lendária produção.
Filho do próprio Melvin, e também ele
acumulando –num gesto algo simbólico –as funções de ator, roteirista e diretor,
Mario Van Peebles (de filmes como “Highlander III” e “New Jack City”) encarna a
figura do próprio pai, um dos primeiros diretores negros a trabalhar em
Hollywood, logo após sua bem-sucedida comédia “Watermelon Man”.
A expectativa de todos era de que Melvin
escolhesse muito bem o projeto seguinte e fim de manter-se na boa repercussão,
mas os planos de Melvin envolviam um filme muito mais marcante: Ele idealizou
uma trama sobre um protagonista negro insuflado pela revolta que, ao contrário
de outros protagonistas e coadjuvantes negros antes retratados no cinema, não
hesitava em retribuir toda sorte de injustiça, violência, descaso e desprezo
contra si e contra seu povo com níveis hiperlativos de agressividade e
truculência.
O tratamento que ele planejava dar ao filme lhe
fazia jus: Sério, marcante, violento quando necessário, absolutamente
envolvente e enraizado no cinema de intenções comerciais que se propunha.
Disposto a compor uma equipe representativa de
minorias, Melvin contrariou os sindicatos da época e teve de fugir da
fiscalização fingindo que estava fazendo um filme-pornô (!), os próprios
membros da equipe técnica –entre eles, o diretor de fotografia e um dos
produtores –eram, eles próprios, oriundos da indústria da pornografia,
desprovida de regulamentações discriminatórias devido à sua natureza obscura.
Com ares de exuberante homenagem, o filme do
Van Peebles filho ilustra com fulgor, e admiração irrestritos todos os
percalços incríveis vivenciados pelo Van Peebles pai ao moldar o filme de sua
vida: Após meses atribulados em que aconteceu de tudo (a falta súbita de
financiamento, parte da equipe presa por policiais racistas, filmagens de
guerrilha com resultados imprevisíveis), o filme, depois de pronto, com seu
conteúdo tido como ‘perigoso’ só foi aceito para exibição em duas únicas salas
de cinema nos EUA; a sua estréia testemunhou o quê à época foi considerado a
maior bilheteria para um filme independente de todos os tempos, coroando o
trabalho corajoso e sem concessões de Van Peebles e originando um novo nicho
que a indústria cinematográfica tratou de explorar na década seguinte.
Realizando uma obra declaradamente referencial,
Mario Van Peebles criou uma ode à iniciativa de criação dos grandes
realizadores e à genuína liberdade criativa do cinema marginal numa vibrante e
necessária homenagem ao próprio pai.
Em meio à tantas obras que o cinema nos traz,
uma lembrança que não merece ser esquecida.
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