terça-feira, 17 de julho de 2018

Três Anúncios Para Um Crime


O grande trabalho de Martin McDonagh promove a convergência de diversos gêneros harmonizados pela boa condução de um elenco primoroso: Passeia-se do drama genuíno e não raro pesado à comédia de intenções satíricas para com as autoridades e os discursos de empostação intransigente, chegando até o suspense e o gênero policial de investigação.
Dessa maneira, muitos foram os críticos que enxergaram nessa largueza de detalhes uma caricatura que contradizia as propostas sérias que a premissa inicialmente cultivava.
Quando um filme é bom demais, ele padece pelas prerrogativas exigentes de alguns expectadores para que ele seja, de fato, bom; esse problema se dá, com mais freqüência, com as obras indicadas ao Oscar, caso de “Três Anúncios Para Um Crime”, cujos prêmios de Melhor Ator Coadjuvante (para Sam Rockwell) e Melhor Atriz (para Frances McDormand), ele venceu.
Frances é Mildred Hayes, mãe de uma filha estuprada e morta na cidadezinha de Ebbing, no Missouri, cujo crime ainda não se solucionou: Depois de sete meses, o caso emperrou na incapacidade da polícia local.
Mildred, então, toma uma decisão radical: Resolve alugar três outdoors –localizados num trecho pouco movimentado da rodovia –e neles divulga três mensagens contundentes de apelo crítico à polícia.
A repercussão é fervorosa, em grande parte, porque o xerife, Will Willoughby (Woody Harrelson), além de ser uma figura querida na cidade, está padecendo de câncer no pâncreas. Ninguém se mostra favorável à Mildred; nem seu filho Robbie (Lucas Hedge, de “Manchester ÀBeira-Mar”) que trata o luto pela irmã silenciosamente; nem seu violento ex-marido, Charlie (John Hawkes); nem mesmo Welby, o jovem que lhe alugou os outdoors (interpretado por Caleb Landry Jones) e que, com isso, ganhou a antipatia de toda força policial; e muito menos do racista, impulsivo e irresponsável policial Dixon (Sam Rockwell), cujas atitudes encrenqueiras passam longe de espelhar o que se espera de um policial.
Se há, na trama que centraliza Mildred, algum potencial para o melodrama e para a comiseração, o roteiro primoroso de McDonagh e, em especial, a atuação estupenda, implacável e poderosa de Frances McDormand não permitem que aconteça: Essencial em uma galeria de ótimos e magníficos personagens, Mildred é a força que movimenta todos os núcleos, mesmo àqueles aos quais ela não parece incluída.
E o filme de McDonagh ainda esbanja perspicácia e inteligência ao brindar o expectador com sucessivas dinâmicas distintas e deliciosas de se acompanhar: A camaradagem cheia de graça, perplexidade e alguma tensão entre Dixon e Willoughby; a dor impronunciável que intoxica os momentos entre Mildred e Robbie; a violência ridícula que pontua os encontros entre Mildred e Charlie; a implicância potencialmente letal que surge quando Dixon se encontra com Welby e que, aos poucos, adquire inesperado afeto.
Nenhuma delas, contudo, supera, a relação de distância, antagonismo e incompreensão abissal que define os momentos que Mildred e Dixon dividem juntos, mas que, paulatinamente vão se modificando para uma das parcerias mais sensacionais do cinema recente, e que promove, no personagem de Sam Rockwell, uma sutil e brilhante metamorfose.
Diante de um filme tão bom, tão singularmente interessante e notável, parece irrelevante a discussão do quão realista ele se mostra em relação a ideologias de posturas políticas –o quê parte da crítica até andou fazendo –mas, mesmo assim, Martin McDonagh soube manter a sensatez com seu corajoso final, no qual se arrisca a contrariar as expectativas do público com um desfecho transitório onde ele se atreve a espelhar os anseios que cada expectador haverá de ter, em seus próprios termos.

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