Bud Baxter (Jack Lemmon, perfeito em sua
inquietude e perplexidade) ocupa uma função curiosa e extracurricular no grande
escritório em que trabalha: Embora seja um funcionário insignificante, os
favores constantes prestados aos tubarões maiores representam possibilidade de
crescimento profissional.
Sendo solteiro, sozinho e com pouca aptidão
para a conquista das mulheres, ele pode deixar seu apartamento constantemente
disponível às escapadelas (não raro extraconjugais) dos executivos da empresa. Esse
arranjo o faz alguém bem quisto entre os figurões.
Ocasionalmente, algum contratempo (como um
acesso inesperado de gripe) obriga Bud a rever suas combinações –vez ou outra,
afinal, ele precisa de seu apartamento para simplesmente repousar nele! E,
nesse sentido, o comentário social implícito na situação prodigiosamente bem
construída pelo diretor Billy Wilder, ganha as mais rasgadas ênfases de comédia
–nada de circunstancias dramáticas ou empostadamente sérias, para Wilder a
reflexão atinge um contexto mais amplo e penetrante se ela vem enlaçada no
charme e no envolvimento do humor.
Claro que, em algum momento, na observação a
que se pretende, o filme haverá de ganhar algum realce mais austero; mas isso
só o faz inclinar sutilmente para outro gênero do qual Wilder pode se gabar de
ter sido um dos pioneiros –a comédia romântica: Quando pouco a pouco começa a
se afeiçoar à uma jovem secretária da empresa (Shirley MacLaine, encantadora),
Bud descobre que ela é uma das inúmeras jovens que terminam as noites
conduzidas para seu apartamento onde exerce a nada lisonjeira ocupação de
amante de um dos patrões. Um detalhe que logo o fará ver seu envolvimento nesse
arranjo sórdido –envolvimento este que Bud, até então, enxergava com
auto-indulgência. Se os patrões eram cafajestes com as mulheres, ele não tinha
nada com isso. Fornecia o apartamento somente, mantendo-se de consciência
limpa.
Ledo engano, é o que Wilder fará seu
protagonista perceber: Ao proporcionar as condições para que o mau-caratismo
machista possa se aproveitar de jovens subordinadas, Bud se coloca numa
situação em que, mesmo sem usufruir do abuso é, também ele, um abusador.
Audacioso e certamente inovador na denúncia
trabalhista que vislumbrar em tempos que a própria revolução sexual era uma
novidade, “Se Meu Apartamento Falasse” esconde habilmente seu teor controverso
com uma impecável aura de romance cativante –no que o par composto por Lemmon e
MacLaine se mostra uma escolha certeira.
Como é comum em sua filmografia, Wilder une
primorosamente uma insuspeita capacidade de divertir de forma inteligente com
uma pertinente e esperta compreensão das mazelas corruptíveis da realidade.
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