quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Se Meu Apartamento Falasse


Bud Baxter (Jack Lemmon, perfeito em sua inquietude e perplexidade) ocupa uma função curiosa e extracurricular no grande escritório em que trabalha: Embora seja um funcionário insignificante, os favores constantes prestados aos tubarões maiores representam possibilidade de crescimento profissional.
Sendo solteiro, sozinho e com pouca aptidão para a conquista das mulheres, ele pode deixar seu apartamento constantemente disponível às escapadelas (não raro extraconjugais) dos executivos da empresa. Esse arranjo o faz alguém bem quisto entre os figurões.
Ocasionalmente, algum contratempo (como um acesso inesperado de gripe) obriga Bud a rever suas combinações –vez ou outra, afinal, ele precisa de seu apartamento para simplesmente repousar nele! E, nesse sentido, o comentário social implícito na situação prodigiosamente bem construída pelo diretor Billy Wilder, ganha as mais rasgadas ênfases de comédia –nada de circunstancias dramáticas ou empostadamente sérias, para Wilder a reflexão atinge um contexto mais amplo e penetrante se ela vem enlaçada no charme e no envolvimento do humor.
Claro que, em algum momento, na observação a que se pretende, o filme haverá de ganhar algum realce mais austero; mas isso só o faz inclinar sutilmente para outro gênero do qual Wilder pode se gabar de ter sido um dos pioneiros –a comédia romântica: Quando pouco a pouco começa a se afeiçoar à uma jovem secretária da empresa (Shirley MacLaine, encantadora), Bud descobre que ela é uma das inúmeras jovens que terminam as noites conduzidas para seu apartamento onde exerce a nada lisonjeira ocupação de amante de um dos patrões. Um detalhe que logo o fará ver seu envolvimento nesse arranjo sórdido –envolvimento este que Bud, até então, enxergava com auto-indulgência. Se os patrões eram cafajestes com as mulheres, ele não tinha nada com isso. Fornecia o apartamento somente, mantendo-se de consciência limpa.
Ledo engano, é o que Wilder fará seu protagonista perceber: Ao proporcionar as condições para que o mau-caratismo machista possa se aproveitar de jovens subordinadas, Bud se coloca numa situação em que, mesmo sem usufruir do abuso é, também ele, um abusador.
Audacioso e certamente inovador na denúncia trabalhista que vislumbrar em tempos que a própria revolução sexual era uma novidade, “Se Meu Apartamento Falasse” esconde habilmente seu teor controverso com uma impecável aura de romance cativante –no que o par composto por Lemmon e MacLaine se mostra uma escolha certeira.
Como é comum em sua filmografia, Wilder une primorosamente uma insuspeita capacidade de divertir de forma inteligente com uma pertinente e esperta compreensão das mazelas corruptíveis da realidade.

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