segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Johnny Guitar


Sem firulas, o trabalho do diretor Nicholas Ray –sólido, objetivo e firme como convém a um faroeste dos bons –já inicia-se com um assalto de diligência que dá o pontapé à trama.
Quando o violeiro Johnny Guitar (Sterling Hayden) chega à localidade do Arizona que abriga a taverna de Vienna (Joan Crawford, espetacular), os homens do xerife (Ward Bond) já estão a procurar os responsáveis que no ensejo mataram o irmão de Emma (a brilhante Mercedes McCambridge), a terrível vilã do filme.
Para Emma, ensandecida pelo rancor, o culpado tem de ser o objeto de seu desejo frustrado Dancing Kid (Scott Brady) que tem em Vienna uma espécie de amiga –o quê faz de Vienna o alvo também do ódio incontido de Emma.
Logo fica claro que os homens do xerife, e ele próprio, são suscetíveis às imposições coléricas de Emma. Ela rejeita por completo a ideia de algo interferindo no que ela supõe ser a a harmonia daquele fim de mundo. Para ela, a chegada iminente do progresso trazido pela ferrovia que se aproxima é um mau presságio –e, sob muitos aspectos, Vienna representa esse progresso, sobretudo, na fé que ela deposita na prosperidade que isso trará.
Já, Dancing Kid –que, junto de Vienna e Johnny Guitar, integrará o triângulo amoroso que conduzirá a trama –não esconde uma certa indiferença para com a lei: Seu bando, constituído por Corey (Royal Dano), o jovem Turkey (Ben Cooper) e o impulsivo Bart (Ernest Borgnine), procura arduamente por prata em uma mina nas redondezas da qual a localização somente eles e Vienna conhecem; todavia, a falta de dinheiro, assim como a inevitável implicância local, os fará ceder às tentações do crime.
Mais tarde, quando todas essas dinâmicas estiverem estabelecidas, descobriremos que Johnny Guitar é, na verdade, Johnny Logan, um hábil e temido pistoleiro e um antigo amor de Vienna. Ele voltou para reconquistá-la e, se possível, levá-la embora de lá.
Os planos de Vienna são de ficar, mas quando Dancing Kid finalmente cede às insistências de Bart para assaltar o banco do lugar, Emma encontra uma forma de estender a culpa desse crime também para a inocente Vienna.
Ela dependerá da sagacidade e da desenvoltura de Johnny para sobreviver à perseguição de tantos inimigos e desvencilhar-se da complicada teia de alianças, culpa e responsabilidade que se formou em torno dela.
Notável por sua realização, e ainda mais pelo gesto pioneiro de fornecer um protagonismo inédito à uma personagem feminina que não se submete às caracterizações estereotipadas (e ainda impõe uma certa liderança), “Johnny Guitar”, mesmo que indo de encontro à alguns reflexos condicionados do sexismo da época, é uma pérola incomum em meio à tantos grandes clássicos do faroeste que sobreviveram incólume ao tempo.
Seu clímax é um indicativo pleno de suas intenções: Ao fim, quando todo o palco é preparado para o apoteótico tiroteio final, com os personagens renegados e um lado e os empostados homens da lei do outro, todos os personagens chegam à conclusão que esta é a consequência de uma briga entre duas mulheres de gênio e temperamento tão forte que sobrepujaram toda uma comunidade de homens, levando-os ao combate por isso; e, portanto, deixam que sejam elas (e somente elas) quem decidam em seu derradeiro duelo, o destino que tal desfecho terá.
Não à toa, muitos apontaram o dedo para as intenções possivelmente femininas e até subversivas do enredo; alguns até enxergaram ali, naqueles anos 1950 de então, uma alegoria contra o Senador Jospeh McCarthy e sua perseguição ideológica em Hollywood (vale lembrar que o próprio astro Sterling Hayden esteve entre delatores que entregaram conhecidos no Comitê Anti-Comunismo).
Independente dessas conclusões, fruto do período em que foi lançado e avaliado, “Johnny Guitar” continua sendo uma obra fenomenal que goza do prestígio de ter sido influência direta para outros dos maiores faroestes de todos os tempos, “Era Uma Vez No Oeste”, de Sergio Leone, no qual também estava em foco a transfiguração do progresso e o essencial papel da mulher em pleno Velho Oeste.

Nenhum comentário:

Postar um comentário