Última das oito indicações ao Oscar de Melhor
Ator que o grande Peter O’ Toole recebeu, “Vênus” não apenas entrega uma
magnífica atuação da parte de seu protagonista como também ratifica o talento
desigual do diretor Roger Mitchell que antes mostrou habilidade na condução
melindrosa de uma narrativa de comédia romântica no ótimo “Um Lugar Chamado Notting Hill” e aqui constrói um delicado, porém implacavelmente sincero,
relato sobre as ironias amargas do amor e do tempo –mais precisamente da
velhice.
Não faltam filmes que se deliciam acerca de
amores impossíveis; e, não raro, arrebatam o público convertendo essa
impossibilidade em realidade.
“Vênus” toma a corajosa decisão de ir contra a
corrente.
Ao debruçar-se sobre o que, em essência, é uma
história de amor –e daquelas costumeiramente improváveis, com uma boa diferença
de idade entre os pares –o filme mostra minucia e dolorosamente todas as
facetas que tornam o amor impraticável.
Vivido com fleuma inquestionável por Peter O’
Toole, o idoso Maurice é um veterano ator que já chegou num ponto da vida em
que a decrepitude e o definhamento diário de seu organismo só pode ser encarado
com bom humor: Ele troca comprimidos com seu amigo Ian (Leslie Philips),
relembra nostalgicamente o passado, se esquece dos óculos só para perceber,
depois, que estão pendurados em seu pescoço e se ampara em todo o lugar para
não se desequilibrar e cair ao chão.
Um belo dia, Ian recebe, esperançoso, a visita
de uma sobrinha a qual ele crê irá fazer-lhe as vezes de enfermeira. Mas, a
jovem, Jessie (Jodie Whitaker, da série “Doctor Who” e do cult “Ataque Ao
Prédio”), é temperamental, grosseira, desleixada e adora beber.
Não obstante os adjetivos nada lisonjeiros que
o amigo atribui toda hora a ela, Maurice cria com ela uma afetividade
inesperada: Inicialmente a leva a uma peça de teatro quando o amigo (seu
convidado inicial) pega abruptamente no sono. Aos poucos, ele adquire o hábito
de levá-la em programas banais apenas para tirá-la de casa sob pretexto de
proporcionar sossego ao amigo; leva ela para fazer compras; procuram por algum
emprego (hilária a cena em que ela consente em posar nua para um grupo de
pintores desde que Maurice não esteja presente, o quê o leva a tentar sondá-la
indiscretamente!).
Pouco a pouco, uma conexão muito próxima a de
um relacionamento de verdade começa a se estabelecer entre os dois –e é aí, no
ponto crucial a todo o filme romântico (quando o amor aflora) que o filme de
Roger Mitchell revela suas mais notáveis idiossincrasias: Com idade
praticamente para ser avô dela, Maurice não pode, em termos práticos, ser seu
amante, nem seu namorado, ou qualquer outra função de ordem afetiva –até
porque, a própria jovem, ainda que recíproca ao afeto dele, é impaciente,
difícil e muito pouco razoável para com a condição dele.
Entretanto, ainda assim, um sentimento insiste
em se expressar e se manter (“Ainda posso ter um interesse teórico” diz ele). E
os dois grandes personagens deste belo filme (defendidos por um casal magnífico
de intérpretes) seguem assim, indecisos entre o que fazer com bem-querer que se
mostra cada vez mais sólido contra todas as chances e a imposição factual que
impossibilita a consumação de toda e qualquer intenção romântica.
Na belíssima narrativa que conduz, Mitchell
vislumbra o amor como um absoluto milagre que, em meio à crueza da vida,
permite que momentos magistrais como os que compõem esta história sejam
possíveis.
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