sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Sindicato de Ladrões


É perfeitamente nítida a intenção do diretor Elia Kazan em “Sindicato de Ladrões”, uma vez que temos o conhecimento de que ele delatou diversos colegas associados ao comunismo durante a Caça Às Bruxas capitaneada pelo Senador Joseph McCarthy: Na trama que narra (e na forma como a narra) o ato da delação ganha um viés de heroísmo e de nobreza.
A despeito desse detalhe algo controverso não há como negar a excelência técnica e artística da obra realizada aqui.
No ápice de um primor interpretativo que sempre foi relacionado a ele, Marlon Brando interpreta Terry Malloy, jovem trabalhador do cais portuário de Nova York.
Há um status quo ali ao qual o melindroso Terry não tem tantos escrupulosos em se adaptar: Já na primeira cena, ele está de conluio com os sindicalistas do cais do porto. Um delator em potencial precisa ser silenciado e, embora acreditasse que iriam apenas intimidá-lo, Terry contribui para que seja atraído até o telhado do prédio de onde termina sendo jogado.
No cais do porto, as coisas são assim: É preciso calar-se ante os mandos e desmandos do líder do sindicato, o tentacular Johnny Camarada (Lee J. Cobb, de “12 Homens e Uma Sentença”), que enriquece a base de propinas, enquanto controla os estivadores determinando aqueles que trabalham ou não (seus privilegiados).
Em suma, praticamente uma máfia.
Na parábola que constitui a premissa, Elia Kazan estabelece esse cais do porto diretamente como a Hollywood daqueles anos 1950, onde os envolvidos com o comunismo se viam às margens da Lei –com efeito, Kazan também acaba relacionando os estóicos agentes da Comissão de Crimes Portuários aos funcionários do Comitê de Assuntos Anti-Americanos. E a si mesmo, com o protagonista Terry Malloy.
Afinal, Malloy (que muito deve de sua inclinação dúbia ao irmão mais velho envolvido com o sindicato, vivido por Rod Steiger) acaba se apaixonando pela belíssima Edie (Eva Marie Saint, maravilhosa), irmã do rapaz assassinado e impregnada de indignação com a situação no cais, da qual também seu pai é vítima. Aliada ao discurso libertador e moralista do padre Barry (Karl Malden), a iniciativa de Edie aos poucos vence a relutância de Terry que se convence de denunciar os crimes de seus comparsas sindicalistas.
Definindo com exatidão a linha que separa o legal do ilegal, Kazan parece reiterar até para si mesmo o ônus que acarreta as decisões que abraçam a Lei: Após a delação, durante o último terço do filme, Terry sofre vendo seus companheiros estivadores lhe virando as costas. Ele termina por confrontar o próprio Johnny Camarada e, após um dilacerante embate físico, tem de provar a todos que pode liderar um cais livre de corrupção, se mantendo em pé, mesmo que esteja tão debilitado a ponto de desmaiar –a magnífica cena final, da árdua caminhada até o depósito representa para Kazan a suprema e definitiva metáfora do artista que se mantem exercendo sua arte diante do descrédito acarretado pela delação dos colegas de trabalho.
E apesar dessa sua auto-justificada ideologia, o diretor foi competente o bastante para realizar um filme que se sustenta maravilhosamente bem sem quaisquer desses fatores subliminares: Impressiona o fato, por exemplo, de Kazan ser um diretor oriundo do teatro quando aqui ele constrói uma narrativa tão primorosamente cinematográfica –não falta à “Sindicato de Ladrões” a dose exata de ação, suspense e dramaturgia que o fazem, do início ao fim, uma obra tão memorável.

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