segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A Um Passo da Eternidade


Para as plateias mais jovens, ainda que possa soar um despautério, comparar o maravilhoso trabalho de Fred Zinneman com “Pearl Harbor”, de Michael Bay, talvez seja a melhor forma de compreender o quão brilhante é “A Um Passo da Eternidade”.
Se “Pearl Harbor” estrutura seu roteiro de forma ginasiana entre a primeira parte onde as rasas motivações dos personagens e seus dramas pessoais são introduzidos e a segunda na qual o ataque japonês (e toda sua pirotecnia) ganha corpo, em “A Um Passo da Eternidade”, ainda que a sucessão de eventos obedeça padrão semelhante, somos de início surpreendidos por uma profundidade insuspeita.
É um quartel-general norte-americano bastante corriqueiro baseado no Havaí que recebe a chegada do soldado Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift).
Sua fama o precede: Prewitt, além de hábil corneteiro, era um imbatível boxeador que amealhou dezenas de troféus para o regimento no qual servia, antes de abandonar abruptamente o boxe.
A razão para essa desistência (que Prewitt reluta até o fim em revelar) foram os danos severos e irreversíveis provocados em um colega durante uma luta de treinamento.
Seu oficial, o capitão Holmes (Philip Ober) pouco interesse tem nisso; ele quer que Prewitt lute boxe em nome de seu regimento e com isso sinaliza a ele o agrado de uma promoção para oficial subalterno, mas Prewitt é irredutível em sua decisão, o que lhe acarreta um verdadeiro pesadelo entre os cadetes: Ele é maltratado e humilhado de todas as formas pelos superiores como pressão para que aceite a voltar a lutar, seja em meio aos treinamentos desumanos ou às punições sádicas.
Um de seus poucos amigos é o recruta Maggio (Frank Sinatra, ótimo), alegre e camarada, que também terá sua própria trama paralela quando arrumar encrenca com um inescrupuloso oficial da prisão militar (Ernest Borgnine).
Aos poucos, a integridade e a retidão de Prewitt conquistam outro grande amigo: O sargento Warden (o formidável Burt Lancaster) cujos esforços são direcionados para que a displicência e a imaturidade do capitão Holmes não afetem a harmonia do quartel-general e a rotina dos soldados.
Assim como o drama de Prewitt –que só encontra alento no amor de Lorene (Donna Reed), uma das atendentes do clube noturno da cidade –é a história de Warden que ocupa o cerne da narrativa: Ele inicialmente se intriga com os rumores a respeito do adultério da esposa do capitão, a belíssima Karen (Deborah Keer) que teria se envolvido com muitos amantes no destacamento anterior do marido.
A curiosidade leva Warden a tornar-se amante dela quando é o primeiro a perceber sua angústia e solidão, mas ao compreender por inteiro a triste história do casamento dela, ele se descobre completamente apaixonado e, sendo assim, num beco sem saída: Afinal, como unir dois destinos (o dele e o dela) que parecem fadados a jamais se cruzarem?
Isso não impede o interlúdio romântico dos dois de render uma das mais icônicas (e na época, bastante ousada!) cenas do cinema: O beijo à beira-mar entre os dois amantes, deitados na praia.
O diretor Fred Zinneman (de “Matar Ou Morrer”) constrói estas tramas paralelas de amor, desilusão e humanidade com tamanho zelo e cuidado que o objetivo inicial para que sirvam de moldura dramática para o ataque a Pearl Harbor que se dá no entrecho final do filme acaba ligeiramente modificado: Tão envolventes e verdadeiramente comoventes elas são que o ataque japonês, ao ocorrer, quase provoca uma sensação de indignação ao expectador –ainda que não chegue a arrebatar a trajetória dos personagens a ponto de virá-la de pernas por ar, ele termina só intensificando a agonia de não vê-las prosseguir com mais calmaria.
Está aí, portanto, a diferença fundamental e definitiva entre esta obra maiúscula e o filme de Michael Bay: Enquanto “Pearl Harbor” reconhecia desde o início a importância do ataque, das explosões e dos efeitos visuais, sobre a premissa, negligenciando seu próprio conteúdo, “A Um Passo da Eternidade” ampara sua narrativa em um capricho tamanho que não é improvável, de um ponto em diante, que o expectador até esqueça que um ataque japonês em algum momento irá se deflagrar.
Suas tramas íntimas são tão magistralmente organizadas e conduzidas que o público facilmente consegue emergir nelas; um magnífico exemplo da atenção à dramaturgia dedicada pelo cinema comercial realizado antigamente.

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