Para as plateias mais jovens, ainda que possa
soar um despautério, comparar o maravilhoso trabalho de Fred Zinneman com
“Pearl Harbor”, de Michael Bay, talvez seja a melhor forma de compreender o
quão brilhante é “A Um Passo da Eternidade”.
Se “Pearl Harbor” estrutura seu roteiro de
forma ginasiana entre a primeira parte onde as rasas motivações dos personagens
e seus dramas pessoais são introduzidos e a segunda na qual o ataque japonês (e
toda sua pirotecnia) ganha corpo, em “A Um Passo da Eternidade”, ainda que a
sucessão de eventos obedeça padrão semelhante, somos de início surpreendidos
por uma profundidade insuspeita.
É um quartel-general norte-americano bastante
corriqueiro baseado no Havaí que recebe a chegada do soldado Robert E. Lee
Prewitt (Montgomery Clift).
Sua fama o precede: Prewitt, além de hábil
corneteiro, era um imbatível boxeador que amealhou dezenas de troféus para o
regimento no qual servia, antes de abandonar abruptamente o boxe.
A razão para essa desistência (que Prewitt
reluta até o fim em revelar) foram os danos severos e irreversíveis provocados
em um colega durante uma luta de treinamento.
Seu oficial, o capitão Holmes (Philip Ober)
pouco interesse tem nisso; ele quer que Prewitt lute boxe em nome de seu
regimento e com isso sinaliza a ele o agrado de uma promoção para oficial
subalterno, mas Prewitt é irredutível em sua decisão, o que lhe acarreta um
verdadeiro pesadelo entre os cadetes: Ele é maltratado e humilhado de todas as
formas pelos superiores como pressão para que aceite a voltar a lutar, seja em
meio aos treinamentos desumanos ou às punições sádicas.
Um de seus poucos amigos é o recruta Maggio
(Frank Sinatra, ótimo), alegre e camarada, que também terá sua própria trama
paralela quando arrumar encrenca com um inescrupuloso oficial da prisão militar
(Ernest Borgnine).
Aos poucos, a integridade e a retidão de
Prewitt conquistam outro grande amigo: O sargento Warden (o formidável Burt
Lancaster) cujos esforços são direcionados para que a displicência e a
imaturidade do capitão Holmes não afetem a harmonia do quartel-general e a
rotina dos soldados.
Assim como o drama de Prewitt –que só encontra
alento no amor de Lorene (Donna Reed), uma das atendentes do clube noturno da
cidade –é a história de Warden que ocupa o cerne da narrativa: Ele inicialmente
se intriga com os rumores a respeito do adultério da esposa do capitão, a
belíssima Karen (Deborah Keer) que teria se envolvido com muitos amantes no
destacamento anterior do marido.
A curiosidade leva Warden a tornar-se amante
dela quando é o primeiro a perceber sua angústia e solidão, mas ao compreender
por inteiro a triste história do casamento dela, ele se descobre completamente
apaixonado e, sendo assim, num beco sem saída: Afinal, como unir dois destinos
(o dele e o dela) que parecem fadados a jamais se cruzarem?
Isso não impede o interlúdio romântico dos dois
de render uma das mais icônicas (e na época, bastante ousada!) cenas do cinema:
O beijo à beira-mar entre os dois amantes, deitados na praia.
O diretor Fred Zinneman (de “Matar Ou Morrer”)
constrói estas tramas paralelas de amor, desilusão e humanidade com tamanho
zelo e cuidado que o objetivo inicial para que sirvam de moldura dramática para
o ataque a Pearl Harbor que se dá no entrecho final do filme acaba ligeiramente
modificado: Tão envolventes e verdadeiramente comoventes elas são que o ataque
japonês, ao ocorrer, quase provoca uma sensação de indignação ao expectador
–ainda que não chegue a arrebatar a trajetória dos personagens a ponto de
virá-la de pernas por ar, ele termina só intensificando a agonia de não vê-las
prosseguir com mais calmaria.
Está aí, portanto, a diferença fundamental e
definitiva entre esta obra maiúscula e o filme de Michael Bay: Enquanto “Pearl
Harbor” reconhecia desde o início a importância do ataque, das explosões e dos
efeitos visuais, sobre a premissa, negligenciando seu próprio conteúdo, “A Um
Passo da Eternidade” ampara sua narrativa em um capricho tamanho que não é
improvável, de um ponto em diante, que o expectador até esqueça que um ataque
japonês em algum momento irá se deflagrar.
Suas tramas íntimas são tão magistralmente
organizadas e conduzidas que o público facilmente consegue emergir nelas; um
magnífico exemplo da atenção à dramaturgia dedicada pelo cinema comercial
realizado antigamente.
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