sábado, 27 de maio de 2017

Matar Ou Morrer

“O certo e o errado parecem bem distintos. Mas, se está pedindo para mandar meu povo matar ou morrer... sinto muito! Não posso fazer isso, sinto muito!”
O conceito de uma aventura em tempo real era uma arrojada inovação em 1952, quando foi lançado este belíssimo faroeste de Fred Zinneman, atrevendo-se a ambientar os seus enxutíssimos oitenta e quatro minutos no exato tempo correspondente que passa na história.
No dia de seu casamento com a bela Amy Fowler (Grace Kelly, radiante em sua estréia no cinema), o xerife Will Kane (Cary Cooper, numa grande performance que lhe valeu o Oscar de Melhor Ator) recebe uma péssima notícia: está para chegar à cidade, no trem do meio-dia, o temido fora-da-lei Frank Miller (Ian MacDonald), foragido da cadeia. Junto de seu bando ele promete matar o xerife –que, à propósito, é o responsável por seu encarceramento –e saquear a cidade.
Todos entram em pânico.
O homem da lei, conforme vão se passando os minutos em tempo real, até o meio-dia, vê sendo recusados os seus pedidos de ajuda para confrontar os bandidos.
Muito antes do recurso da narrativa em tempo real se tornar defasada com a série “24 Horas”, este clássico primoroso e certamente pioneiro no que tange a essas manobras narrativas no cinema já impressionava as platéias, salientando o suspense das cenas por meio da inventiva montagem (premiada com o Oscar) e de seqüências que insistem em mostrar, nos relógios, o tempo que se passa.
“Matar Ou Morrer” venceu também o Oscar de Melhor Canção para a lírica “Do Not Forsake Me, Oh, My Darling!” que, se for ouvida com a audição apurada, nota-se que sua percussão reproduz o som de um trem que se aproxima –um dos muitos lances geniais de ordem narrativa contidos nesta produção.
Mas, a obra de Zinneman vai além de takes de relógios e momentos de tensão: Seu filme lança uma discussão, surpreendentemente ainda atual, sobre o protecionismo coletivo e individual (uma questão que sempre pareceu perseguir o subconsciente norte-americano), e sobre as evasões de covardia que orientam as prioridades do ser humano em sociedade, em contraponto à uma espécie de coragem arcaica que parece perder-se com o processo de civilização.
E ambientar tal reflexão no Velho Oeste é, também ela, um ato de questionamento intrépido –trata-se de colocar um espelho perante o expectador e afirmar que ele não é tão parecido com seus heróis quanto poderia supor. Não à toa, talvez por essa mesma razão, este filme magistral encontrou fortes detratores em sua época (entre eles, o astro John Wayne e o diretor Howard Hawks), que apontavam posturas inconcebíveis nas atitudes muito humanas do protagonista. Para aqueles que nutriam uma mentalidade mais machista, então, o fato da personagem maravilhosa de Grace Kelly revelar-se, no trecho final, como o único apoio e auxílio real do personagem principal deve ter soado quase como uma ofensa!
Por isso mesmo, um dos clássicos mais admiráveis e pertinentes do cinema.

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