sábado, 27 de maio de 2017

As Coisas Simples da Vida

A um só tempo cativante e atrevido (em seus próprios termos, claro) este épico do diretor Edward Yang fala sobre as minúcias do dia a dia, as pequenas complicações da vida familiar e outros elementos que jamais ganhariam o cerne narrativo de um épico convencional.
Mas, em seu tamanho (acompanha a trajetória entrecruzada de diversos personagens) e duração (quase três horas), o trabalho de Yang não deve nada às produções voltadas à grandiloqüentes momentos históricos, muito pelo contrário: Como cinema e como arte, ele por vezes as supera!
A seqüência inicial de um casamento é o ponto de partida por onde este trabalho se ramifica acompanhando os membros da família Jian em suas tramas individuais que vão ganham delicada expressão: N.J. (Wu Nien Jen), o pai encara alguns problemas profissionais ao perceber que sua ética colide com a percepção empresarial inescrupulosa dos colegas, ao mesmo tempo em que recebe notícias de um caso de amor do passado, com quem, mais tarde, ele terá um fortuito reencontro em Tóquio; sua filha, Ting Ting (Kelly Lee) vive um martírio pessoal quando a avó entra em coma –e, tendo sido a idosa encontrada acidentada recolhendo o lixo do apartamento, a jovem acredita que a responsável por isso é ela própria, já que está convicta de que foi ela mesma quem esqueceu o lixo; ao mesmo tempo, Ting Ting também testemunha as peripécias amorosas da jovem e extrovertida vizinha, uma violoncelista sem muitos escrúpulos para com seus parceiros (fruto do comportamento que ela nota na própria mãe!); o caçula, Yang-yang (Jonathan Chang, um ator-mirim sensacional), a fim de contornar as confusões que encontra na escola, ganha uma câmera fotográfica com a qual planeja “fotografar a verdade”, mas isso só o leva a novas confusões, e também à palpitante descoberta do primeiro amor; por sua vez, o cunhado de N.J. (Hsi-Shen Chen), no casamento do qual o filme se inicia, é um zero à esquerda que, apesar de viver falido, gaba-se para todo mundo.
Ainda assim, detalhar em pormenores a sinopse (e, acredite, muito mais poderia ser dito!) não abrange de fato o trabalho formidável que Edward Yang entrega aqui, sem sombra de dúvidas, uma das melhores produções dos anos 2000: Um maravilhoso senso de humor tempera com instantes agridoces este monumental compêndio familiar que, além de tudo é também uma profunda reflexão do olhar, com imagens refletidas nas janelas, rimas visuais minuciosas e encantadoras, soberbos enquadramentos e pensadas justaposições de câmeras, tudo isso construindo uma narrativa brilhante que simula a grandiosa extensão da vida em seus aspectos mais corriqueiros e abrangentes.
Pleno de riqueza emocional e prodigioso e senso de observação técnica, esta obra de Yang é tranquilamente um dos melhores retratos familiares do cinema moderno.

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