A um só tempo cativante e atrevido (em seus
próprios termos, claro) este épico do diretor Edward Yang fala sobre as
minúcias do dia a dia, as pequenas complicações da vida familiar e outros
elementos que jamais ganhariam o cerne narrativo de um épico convencional.
Mas, em seu tamanho (acompanha a trajetória
entrecruzada de diversos personagens) e duração (quase três horas), o trabalho
de Yang não deve nada às produções voltadas à grandiloqüentes momentos
históricos, muito pelo contrário: Como cinema e como arte, ele por vezes as
supera!
A seqüência inicial de um casamento é o ponto
de partida por onde este trabalho se ramifica acompanhando os membros da família
Jian em suas tramas individuais que vão ganham delicada expressão: N.J. (Wu
Nien Jen), o pai encara alguns problemas profissionais ao perceber que sua
ética colide com a percepção empresarial inescrupulosa dos colegas, ao mesmo
tempo em que recebe notícias de um caso de amor do passado, com quem, mais
tarde, ele terá um fortuito reencontro em Tóquio; sua filha, Ting Ting (Kelly
Lee) vive um martírio pessoal quando a avó entra em coma –e, tendo sido a idosa
encontrada acidentada recolhendo o lixo do apartamento, a jovem acredita que a
responsável por isso é ela própria, já que está convicta de que foi ela mesma
quem esqueceu o lixo; ao mesmo tempo, Ting Ting também testemunha as peripécias
amorosas da jovem e extrovertida vizinha, uma violoncelista sem muitos
escrúpulos para com seus parceiros (fruto do comportamento que ela nota na
própria mãe!); o caçula, Yang-yang (Jonathan Chang, um ator-mirim sensacional),
a fim de contornar as confusões que encontra na escola, ganha uma câmera
fotográfica com a qual planeja “fotografar a verdade”, mas isso só o leva a
novas confusões, e também à palpitante descoberta do primeiro amor; por sua
vez, o cunhado de N.J. (Hsi-Shen Chen), no casamento do qual o filme se inicia,
é um zero à esquerda que, apesar de viver falido, gaba-se para todo mundo.
Ainda assim, detalhar em pormenores a sinopse
(e, acredite, muito mais poderia ser dito!) não abrange de fato o trabalho
formidável que Edward Yang entrega aqui, sem sombra de dúvidas, uma das
melhores produções dos anos 2000: Um maravilhoso senso de humor tempera com
instantes agridoces este monumental compêndio familiar que, além de tudo é
também uma profunda reflexão do olhar, com imagens refletidas nas janelas,
rimas visuais minuciosas e encantadoras, soberbos enquadramentos e pensadas
justaposições de câmeras, tudo isso construindo uma narrativa brilhante que
simula a grandiosa extensão da vida em seus aspectos mais corriqueiros e
abrangentes.
Pleno de riqueza emocional
e prodigioso e senso de observação técnica, esta obra de Yang é tranquilamente
um dos melhores retratos familiares do cinema moderno.
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