terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Lady Vingança

Deve ter sido uma tarefa complicada igualar o feito extraordinário de realizar uma grande obra para finalizar sua magistral Trilogia da Vingança tendo como capítulos predecessores os fabulosos “Mr. Vingança” e “Old Boy”, contudo, o diretor Chan-Wook Park o faz acrescentando uma reflexão que soa inédita nos capítulos anteriores.
Se no primeiro filme, a vingança era um fardo, e no segundo, um objetivo, no terceiro, Chan-Wook Park faz dela uma alternativa.
Quando a ainda jovem Geum-Ja (Lee Young-Ae) sai da prisão, onde esteve encarcerada por treze anos sob acusação de assassinato de um garotinho, ela surpreende a todos com uma súbita mudança de comportamento: Da jovem bondosa e solícita que ela se mostrou na prisão, Geum-Ja se revela agora fria, determinada e implacável.
Há um propósito ali que a narrativa de Chan-Wook Park não faz questão de esclarecer de imediato: Ele vai desfraldando os acontecimentos à medida que a trama evolui, seja rumo no que acontecerá, seja rumo naquilo que aconteceu.
Certamente, Geum-Ja foi presa por um crime que não cometeu –no entanto, ela não se sente tão inocente assim em relação a ele. Sua intenção, simplificando as coisas como elas são dispostas no filme, é encontrar o verdadeiro assassino (vivido por Choi Min-Sik, protagonista de “Old Boy”, num papel parecido com seu personagem em “Eu Vi O Diabo”).
Também esse processo não se dá no ritmo e na condução a que estamos acostumados em outros filmes –o diretor se detêm em outros detalhes, levando o encontro com o assassino a acontecer de forma até bem rápida.
É o processo árduo e transformador da vingança em si o grande cerne de “Lady Vingança”: Ao encontrar o psicopata, Geum-Ja descobre outras crianças das quais ele também deu cabo e, num insólito trecho final, reúne os pais em uma casa abandonada para debaterem e resolverem o que fazer: Entregá-lo à polícia para que a justiça (e a lei) seja cumprida, ou devolver na mesma moeda (com sangue e agressão) o mesmo sofrimento que ele infligiu em suas vítimas?
A resposta não tarda, mas o roteiro a entrega com uma capacidade singular de aprofundar questionamentos tão peculiar na cinema sul-coreano.
O esmero visual também característico de Chan-Wook Park comparece aqui numa intensidade notável: Abraçando a tendência das câmeras digitais iniciada por alguns cineastas no início dos anos 2000, ele reserva a seu filme um visual um pouco mais precário de videotape, mas compensa esse detalhe explorando todas as possibilidades de manipulação da imagem criando uma narrativa visualmente digressiva cujos frames são preenchidos por informações a todo o minuto.
Consciente da trilogia esplêndida que com este filme encerra, Park dispõe ao longo de todo o filme inúmeras participações especiais de atores das obras anteriores, como Song Kang-Ho e Shin Ha-Kyun, a dupla antagonista de “Mr. Vingança”, que surgem como dois capangas do assassino; Byeong-Ok Kim (o braço-direito albino do vilão em “Old Boy”) no papel do padre perplexo com a mudança de atitude da protagonista; Oh Dal-Su (dono do hotel-prisão no mesmo “Old Boy”) como o padeiro que emprega Geum-Ja; assim como Kang Hye-Jung (a mocinha de “Old Boy”) numa rápida aparição como âncora de telejornal, e Yoo Ji-Tae (o antagonista daquele filme) num momento delirante onde a heroína enxerga o menino assassinado já crescido.
No elaborado desfecho positivo que resguarda à sua protagonista, “Lady Vingança” também representa uma espécie de evolução na empatia de Chan-Wook Park por seus personagens –em “Mr. Vinçança”, ele foi impiedoso e implacável; em “Old Boy”, apesar de um final até feliz, ele não deixou de espumar um sarcasmo perverso, entretanto, aqui, em “Lady Vingança”, ele enfim se permite narrar um conto onde a redenção é, apesar de tudo, possível.
Um gênio que encontra aqui o amor por seus próprios personagens.

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