sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

O Adversário

Caso real que escandalizou a crônica policial francesa nos anos 1990, a trama que dá corpo ao filme de Nicole Garcia (de “Um Instante de Amor”) bebe da fonte de produções de suspense oriundas da França na década de 2000, quando um grupo de jovens cineastas deu um revigorante sopro de inovação gráfica e narrativa num gênero que não se furtava a chocar e a perturbar o expectador.
Daniel Auteuil vive Jean-Marc Faure. De poucas palavras, ele é casado com a devotada e carinhosa Christine (Geraldine Pailhas) e trabalha como cirurgião conceituado. Sua vida financeira é estável. Sua vida familiar é ideal e afetuosa.
Entretanto, há algo de dissimulado em Jean-Marc. Ele não é quem diz ser.
Quando toma diariamente o caminho para seu trabalho, Jean-Marc não vai em direção ao prestigiado hospital onde afirmar trabalhar –ele passa horas dentro de seu carro em estacionamentos, às vezes, em quartos de hotéis, ou até mesmo em outros locais.
Ao longo de vinte anos, ele foi hábil em enganar seu círculo de amigos, sua família e sua própria esposa acerca de suas atividades –que envolvem ocasionais estelionatos para ter sempre algum dinheiro para ostentar.
Talvez, devido ao fato de narrar um acontecimento relativamente conhecido e folclórico na França (algo como “Zodíaco”, de David Fincher, foi para a cultura norte-americana), o filme da diretora Nicole Garcia se permite a omissão nebulosa em inúmeros momentos, deixando lacunas informativas sem serem preenchidas –essa opção e mais a ausência de linearidade cronológica (outra característica muito em voga no cinema francês da época) prejudicam e muito a compreensão integral do filme.
Iniciamos a trama já sabendo –por sequências que prenunciam seu final trágico –que algo muito perturbador reserva o desenlace de tanta dissimulação. Apesar de ter convencido seus amigos e seus familiares de que era formado em medicina (embora mal tenha iniciado o curso), Jean-Marc, após décadas se passando por alguém bem quisto e de alto cargo, pouco a pouco se enreda numa sucessão de pequenos detalhes que vão minando a perfeição de seu embuste: Um empréstimo de seu sogro para a compra de um carro; um reunião de pais e mestres cujo debate levanta desconfianças de sua esposa; a ex-mulher de um amigo (a insinuante Emmanuelle Devos) que se torna sua amante; e vários outros pormenores que a narrativa sucinta, calma e atenciosa trata de enumerar até que seja impossíveis de se ignorar.
A reação de Jean-Marc diante da revelação iminente de sua farsa é, no entanto, assombrosa diante da persona afável de doméstica que ele pareceu cultivar –e, nesse sentido, a contida interpretação de Auteuil, rica em meandros humanos e mundanos, é brilhante.

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