O filme de Jean Renoir permite-se impregnar de
um lirismo e um exotismo que concretizam, em si, o charme diferencial desta
obra, conduzida num ritmo e numa parcimônia que só poderiam partir de um realizador
veterano, a muito acostumado aos meandros do cinema, como Renoir, e já numa
idade em que a contemplação das vicissitudes da vida é um regozijo a mais
diante da madura constatação da existência.
“O Rio Sagrado” vem assim dotado dessa grandeza
de espírito, na qual as festas em família, as datas comemorativas, os ritos de
passagem e a simples razão de todos estarem juntos ganha estatura na memória
afetiva.
Não existem grandes conflitos no filme.
É, sobre inúmeros aspectos, uma singela ode às
descobertas do amor. Três são as meninas que protagonizam o filme: Valerie
(Adrienne Corri, protagonista da notória cena de estupro de "Laranja Mecânica"), a mais bela e mais velha delas; Melanie (Radha), cuja origem
meio indiana, meio ocidental a torna a mais reflexiva das três; e Harriet
(Patricia Walters), aspirante a escritora e poetiza, em cuja casa se dá a maior
parte dos fatos –e na voz de quem ouvimos toda a história, narrada por ela em
off, num recurso que a narrativa usa e abusa.
Adolescentes, elas se veem inquietas com a
chegada de um convidado em seu meio social: O inglês John (Thomas E. Breen),
vindo de extenuantes experiências de guerra.
John é um soldado ferido –perdeu uma das pernas
em combate –e seus traumas o perseguem onde quer que vá; por isso, não para num
lugar.
Daí talvez o fato de inicialmente lhe passar
despercebido a pueril disputa das jovens por sua atenção.
Eventualmente, é claro que será a bela Valerie
quem irá chamar mais seu interesse.
Consciente desse detalhe, Harriet, que não se
dá por vencida, planeja conquistar o Capitão John com sua prosa de escritora e
sua aptidão para a poesia, o que a leva a sucessivas frustrações.
Avidamente orgulhoso de sua filmagem em
locação, o filme de Renoir tira amplo proveito do cenário indiano onde se passa
a trama –a narração no início até mesmo se refere a isso, afirmando que o sabor
de uma história é determinado pelo lugar em que ela transcorre.
Deveras, tão embriagado o diretor está que não
são raras as vezes em que ele quase converte seu filme num documentário, deixando
de lado, por alguns minutos sua premissa de paixão adolescente, para mergulhar
em abstrações pitorescas e características do lugar.
Do alto de sua longa
carreira, o veterano Jean Renoir realiza um filme deliberadamente pequeno e
modesto no olhar carinhoso e incontornavelmente nostálgico que lança sobre os
altos e baixos do primeiro amor.
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