A chegada dos anos 1970 e o fim dos anos 60
flagaram a produtora inglesa de filmes de terror Hammer assolada de uma
necessidade de reinvenção. A bem-sucedida série de filmes do “Drácula”, que
havia popularizado Christopher Lee no papel do vampiro (e Peter Cushing no de
seu nêmesis, Van Helsing), rapidamente se tornava defasada diante das
revoluções sociais e artísticas que constituíam o panorama daquela época.
Com pressa de provar que não era coisa do
passado –e fazer com que seus filmes correspondessem ao público influenciado
pela contracultura –a Hammer associou-se à uma produtora independente
norte-americana, a Fantale, e dessa junção da sofisticação clássica do terror
inglês (sempre muito influenciado pelo gótico italiano) com a transgressão
inerente a um novo cinema (a Nova Hollywood estava em efervescência na época)
surgiu o primeiro filme da assim chamada “Trilogia Karnstein”, este “Carmilla-A
Vampira de Karnstein”.
Os produtores americanos tinham interesse numa
adaptação do clássico literário “Carmilla”, de J. Sheridan Le Fanu (um conto de
vampiro anterior até mesmo ao “Drácula”, de Bram Stoker), outrora adaptado por
Carl Theodor Dreyer em “Vampyr”, de 1932, e por Roger Vadim em “Rosas de
Sangue”, de 1961, com toda a ousadia permitida pela liberação sexual de então.
A influência maior para esse projeto era um filme, hoje muito pouco lembrado,
chamado “Le Viol du Vampire”, dirigido por Jean Rollin.
E assim foi feito: Escrito por Tudor Gates,
roteirista trazido dos EUA, e dirigido por Roy Ward Baker, um dos maiores
especialistas saídos das fileiras da Hammer, “Carmilla” (ou “The Vampire
Lovers”, seu título original) é uma adaptação extremamente fiel do texto de Le
Fanu, instigante em sua sugestão audaciosa de uma vampira acometida de uma
pulsão predatória que se confunde com uma propensão ao lesbianismo.
Com efeito, a obra de Ward Baker é toda
provocação.
Ele começa num prólogo característico, onde o
Barão Hartog (Douglas Wilmer) relata a noite terrível em que matou uma vampira.
Só então a trama propriamente dita começa, numa
festa na mansão do General Spielsdorf (Peter Cushing, solene como sempre). Ele
recebe visitantes até então desconhecidos: Uma certa condesa (Dawn Addams) que
logo se vale de uma circunstância surgida durante a própria festa para deixar
sua filha, Marcilla (Ingrid Pitt, estonteante), como hóspede do General e de
sua filha Laura (Pippa Steel).
Ao longo dos dias e noites que se seguem,
Marcilla, que demonstra sempre uma serenidade suspeita, se torna uma espécie de
obsessão para Laura que vai adoecendo com uma febre inexplicável até, por fim,
perecer.
Marcilla desaparece e só então percebemos que
estava saciada do sangue dela –a vampira precisa regressar à sua mortalha de
tempos em tempos para descansar após ter sua fome devidamente satisfeita.
O General Spielsdorf sequer recuperou-se da
perda da filha, e a vampira novamente desperta para mais uma caçada; desta vez
com o nome de Carmilla, sua vítima escolhida vem a ser a jovem Emma (Madeline
Smith tão virginal quanto paradoxalmente excitante) e, tal e qual na primeira
ocasião, consegue se tornar uma hóspede por tempo indefinido em sua casa.
Como antes, a influência de Carmilla leva Emma
a adoecer –mas, desta vez, a narrativa de Ward Baker se detém mais nesta
dinâmica, explorando com mais intensidade e voyeurismo a sedução entre Carmilla
e Emma que se inicia velada, mas logo parte para consequências mais evidentes
com cenas muito mais abundantes de nudez.
A voracidade sedutora de Carmilla é tanta que
ela também não poupa a governanta Srta. Perrodot (Kate O’ Mara), nem o mordomo
Renton (Harvey Hall), convertendo ambos em asseclas de sua vontade.
Nesse ínterim, o pai de Emma (George Cole) e o
General Spielsdorf encontram o Barão Hartog, lá do prólogo, que lhes esclarece
a procedência da tal vampira que, na realidade, responde pelo nome de Mircalla
Karnstein e vem de uma linhagem longeva e ancestral de vampiros –entre os quais
estava a vampira que Hartog deu cabo no começo.
Imbuído de clima, como
todas as produções da Hammer, e impagável em sua mescla desigual de
sofisticação macabra e erotismo softcore, “Carmilla” capitaneou, no início da
década de 1970, uma enxurrada de produções com o mesmo tema e abordagem onde as
co-relações sempre presentes entre o sexo e o vampirismo eram escancaradas –por
isso, muitos são os críticos que hoje equacionam a derrocada dos filmes de
vampiros com o advento dos filmes pornôs, ocasionados na primeira metade
daquela década.
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