quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Killer Joe - Matador de Aluguel

William Friedkin, em suas obras, sempre extraiu alguma poesia do exaspero, do terrível; onde outros realizadores enxergavam motivo para o choque, o espanto do expectador, Friedkin enxergava os mais sinceros indicativos da propensão humana para a barbárie, para a regressão moral e para uma inclinação inconsciente na direção de seus mais inapeláveis temores.
É por isso que “O Exorcista” não almejava ser um grande filme de terror, embora tenha se tornado um dos maiores; e “Operação França” não tinha por objetivo ser exatamente um épico policial, embora seja como isso que ele tenha se consagrado.
Oriundo das observações morais inquisitivas da peça de teatro de Tracy Letts, “Killer Joe” segue essa brilhante orientação, ao mesmo tempo em que proporciona à Matthew McConaughey uma de suas interpretações mais espetaculares –uma das responsáveis pela consagração que ele experimentou e que culminou com o Oscar de Melhor Ator por “Clube de Compras Dallas”.
Há, no entanto, pano para manga até chegar em McConaughey: Vivido por Emile Hirsch, o jovem Chris é membro de uma família pra lá de disfuncional –vive com seu desleixado pai, Ansel (Thomas Haden Church), sua madrasta histérica e intransigente Sharla (Gina Gershon) e sua irmã mais jovem, a bela, porém mentalmente debilitada Dottie (Juno Temple).
Em seu inconformismo com a situação periclitante que vive e certamente incentivado por uma dívida com traficantes que pode lhe custar a vida, Chris aos poucos elabora um plano; Mandar matar sua própria mãe (uma personagem vital que, entretanto, nunca aparece) a fim de herdar uma gorda herança que, segundo seu padrasto (outro personagem vital que também nunca aparece), os beneficia.
Para cumprir tal tarefa, eis que é chamado um especialista: O detetive Joe Cooper, o tal Killer Joe do título, incorporado por Matthew McConaughey com uma atuação tão brilhante em seus pormenores sarcásticos que por pouco não engole todo o filme.
Joe não é simplório –ele sabe que está a se meter com gente pouco merecedora de confiança, e para a certeza de seus serviços exige uma garantia; que, na falta de dinheiro, vem a ser justamente a jovem Dottie, de quem o assassino de aluguel acaba se enamorando.
Ao longo assim do percurso algo convencional do premeditado assassinato encomendado –a preparação, a expectativa, a execução –tratado com competência no reconhecimento dos gatilhos do suspense pelo diretor, a narrativa desenvolve também uma inusitada concepção de uma família que, se já era disfuncional, ganha dinâmicas ainda mais absurdistas com a  adição da presença poderosa de Killer Joe entre eles –a infame ‘cena da coxa de galinha’ deixa bem clara essa espécie de orgulho para com a própria bizarrice que o filme ostenta.
Como é inerente ao cinema de William Friedkin, “Killer Joe” abraça uma a uma todas as suas facetas grotescas para convidar, numa trama bem urgida e bem contada, o expectador a descobrir um certo fascínio também.

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