William Friedkin, em suas obras, sempre extraiu
alguma poesia do exaspero, do terrível; onde outros realizadores enxergavam
motivo para o choque, o espanto do expectador, Friedkin enxergava os mais
sinceros indicativos da propensão humana para a barbárie, para a regressão moral
e para uma inclinação inconsciente na direção de seus mais inapeláveis temores.
É por isso que “O Exorcista” não almejava ser
um grande filme de terror, embora tenha se tornado um dos maiores; e “Operação
França” não tinha por objetivo ser exatamente um épico policial, embora seja
como isso que ele tenha se consagrado.
Oriundo das observações morais inquisitivas da
peça de teatro de Tracy Letts, “Killer Joe” segue essa brilhante orientação, ao
mesmo tempo em que proporciona à Matthew McConaughey uma de suas interpretações
mais espetaculares –uma das responsáveis pela consagração que ele experimentou
e que culminou com o Oscar de Melhor Ator por “Clube de Compras Dallas”.
Há, no entanto, pano para manga até chegar em
McConaughey: Vivido por Emile Hirsch, o jovem Chris é membro de uma família pra
lá de disfuncional –vive com seu desleixado pai, Ansel (Thomas Haden Church),
sua madrasta histérica e intransigente Sharla (Gina Gershon) e sua irmã mais
jovem, a bela, porém mentalmente debilitada Dottie (Juno Temple).
Em seu inconformismo com a situação
periclitante que vive e certamente incentivado por uma dívida com traficantes
que pode lhe custar a vida, Chris aos poucos elabora um plano; Mandar matar sua
própria mãe (uma personagem vital que, entretanto, nunca aparece) a fim de
herdar uma gorda herança que, segundo seu padrasto (outro personagem vital que
também nunca aparece), os beneficia.
Para cumprir tal tarefa, eis que é chamado um
especialista: O detetive Joe Cooper, o tal Killer Joe do título, incorporado por
Matthew McConaughey com uma atuação tão brilhante em seus pormenores
sarcásticos que por pouco não engole todo o filme.
Joe não é simplório –ele sabe que está a se
meter com gente pouco merecedora de confiança, e para a certeza de seus
serviços exige uma garantia; que, na falta de dinheiro, vem a ser justamente a
jovem Dottie, de quem o assassino de aluguel acaba se enamorando.
Ao longo assim do percurso algo convencional do
premeditado assassinato encomendado –a preparação, a expectativa, a execução –tratado
com competência no reconhecimento dos gatilhos do suspense pelo diretor, a
narrativa desenvolve também uma inusitada concepção de uma família que, se já
era disfuncional, ganha dinâmicas ainda mais absurdistas com a adição da presença poderosa de Killer Joe
entre eles –a infame ‘cena da coxa de galinha’ deixa bem clara essa espécie de
orgulho para com a própria bizarrice que o filme ostenta.
Como é inerente ao cinema
de William Friedkin, “Killer Joe” abraça uma a uma todas as suas facetas
grotescas para convidar, numa trama bem urgida e bem contada, o expectador a
descobrir um certo fascínio também.
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