quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Pecados Inocentes

Neste filme de conotações extremamente perturbadoras, Julianne Moore, sempre maravilhosa, entrega uma atuação que remete a ecos de seus trabalhos inquisitivos em “Longe do Paraíso” e “À Salvo”, além de também se perceber uma observação similar a de sua personagem em “Boogie Nights” onde os erros cometidos parecem ser incapazes de fazer uma personalidade irredutível compreender aonde errou.
“Pecados Inocentes”, dirigido por Tom Kalin com um distanciamento antropológico que chega a lembrar vagamente Martin Scorsese em “A Época da Inocência”, se incumbe de relatar um chocante caso real ocorrido em meados de 1969.
Antes disso, ele sedimenta a estranha e obcecada relação de dependência psicológica formada entre a socialite Barbara Baekeland (Julianne) e seu único filho, Tony.
O casamento entre Barbara e o marido Brooks (Stephen Dillane, de “As Horas”) era um amálgama de ressentimentos, tédio e provocações constantes.
Intempestiva e ocasionalmente atrevida, Barbara não se encaixava na burguesia francesa da Paris dos anos 1950 onde durante um bom tempo eles moraram. O nascimento do filho, Tony, preencheu a lacuna deixada pelas amizades fracassadas e pela frustrante vida social; no entanto, por conta disso, Barbara criou com o filho, desde tenra idade, uma relação simbiótica que tornou-se doentia a medida que ele foi crescendo –e que, no filme, na maior parte das vezes ganha um registro até ameno e elíptico.
Quando Tony já tem dezoito anos (e é, pois, interpretado por Eddie Redmayne) e suas tendências homossexuais começam a ficar mais evidentes, os acontecimentos diretamente relacionados à tragédia começam a se suceder: Entre outros jovens amantes, ele arruma uma namoradinha de verão, Blanca (vivida pela espanhola Elena Anaya) que, um ano depois, torna-se amante de seu pai (!) e pivô da separação definitiva dele e de sua mãe.
A indignação com tal situação leva Barbara a buscar alento primeiro nos braços de Sam (Hugh Dancy, de “Histeria”, “Martha, Marcy, May, Marlene” e “Falcão Negro Em Perigo”) que torna-se amante de Tony também (!!), e depois, a mudar-se para Londres a fim de dar vazão ao seu lado artístico.
Nesse ponto, porém, Barbara e Tony já partilham de uma natureza sexual tão insólita que sua relação não tarda a galgar para o incesto (!) e então para uma psicopatia latente que o rapaz ainda não havia conseguido extravasar.
Realizado com um distanciamento emocional que torna o filme por vezes indigesto, o trabalho do diretor Kalin flutua com pretensa elegância pelos momentos incômodos (que se intensificam consideravelmente na meia hora final) ostentando uma atenção nem sempre apropriada ao elaborado detalhamento cênico. E sua abordagem do incesto entre mãe e filho não surge displicente, como em “La Luna”, nem nostálgica, como em “O Sopro do Coração”, mas imbuída de um distúrbio torpe e corrosivo.
Se Eddie Redmayne entrega uma interpretação carente de maiores retoques, a produção teve a sorte de contar com Julianne Moore, aquele tipo de atriz que consegue tirar leite de pedra: Ela trabalha magnificamente as facetas dessa personagem complexa e ingrata, sabendo enfatizar os aspectos mais apetecíveis aos olhos do público em cada etapa para que o teor trágico da premissa não se torne de pronto insuportável: Na primeira parte, ela é inesperadamente sensual; na segunda, sua perplexidade ganha até um pouco de simpatia (podendo até enganar expectadores desavisados com o filme); e na terceira e última, sua composição evidencia os esforços vazios, quase à beira da insensatez, de Barbara em manter sólida uma estrutura familiar que se espatifa em pedaços.
É aquele caso em que a atriz está anos-luz a frente do filme que protagoniza.

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