Adaptação de uma obra literária do escritor
Michael Cunningham, ganhador do prêmio Pulitzer, este “As Horas” pode não ser
meramente acessível a quem não tem idéia do exercício narrativo proposto
naquele livro –e, por conseqüência, neste filme, dirigido com eficácia e alguma
frieza por Stephen Daldry (do ótimo “Billy Elliot”).
Cunningham parte de uma dissertação na forma de
três histórias complementares uma à outra que versam sobre a premissa embutida
no livro “Mrs. Dolloway”, de Virginia Woolf (onde são relatadas as 24 horas de
sua protagonista, uma organizadora de festas às voltas as obrigações
detalhistas de seu trabalho e o pungente fantasma da depressão) –“As Horas” é,
por sinal, o título que a escritora inicialmente almejou para sua obra.
Em Los Angeles nos anos 1940, a dona de casa
depressiva Laura Brown (Julianne Moore, impecável), não por acaso, uma leitora
do livro "Mrs. Dolloway", ao mesmo tempo que é negligenciada pelo
marido obtuso e relapso (John C. Reilly) passa toda uma tarde considerando a
idéia de suicídio, para a aflição de seu filho pequeno que aos poucos vai se
dando conta da infelicidade inominável da mãe.
Já, em Nova York nos anos 1990, a metódica
Clarissa Vaughan (Meryl Streep, em sua excelência de sempre) por sua vez a
própria personificação da personagem do livro (ela também é organizadora de
festas), prepara o evento do aniversário de seu melhor amigo, um artista
plástico homossexual (vivido por Ed Harris) cuja saúde se acha deteriorada pela
AIDS.
Enquanto que, numa afastada mansão da Londres
dos anos 1920, a própria Virginia Woolf (Nicole Kidman, irreconhecível e
vencedora do Oscar de Melhor Atriz), às voltas com o ainda manuscrito do
próprio "Mrs. Dolloway" questiona suas orientações como escritora e
como mulher.
O resultado desse empenhado esforço em
depositar a relevância literária numa narrativa cinematográfica que agregasse
também seu valor artístico, acabou rendendo um filme denso e difícil, debruçado
sobre a irreprimível depressão de suas personagens. Nada, nem mesmo as ocasionais
e espirituosas transições de uma trama para outra, são capazes de amenizar a
carga dramática que ele emana, fazendo deste um trabalho um tanto quanto
inacessível e desgastante.
Toda essa austeridade e compromisso fizeram uma
bela campanha na temporada de premiações e no Oscar 2002 (ainda que o prêmio de
Melhor Atriz para Nicole tenha sido a única honraria que de fato recebeu).
Em tempo: Foi realizada em
1997, uma adaptação do próprio “Mrs. Dolloway”, estrelada por Vanessa Redgrave
e dirigida por Marleen Gorris (de “A Excêntrica Família de Antonia”).
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