quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Turma da Mônica - Laços

Com tantas adaptações de histórias em quadrinhos ganhando o centro das atenções no cinema comercial hollywoodiano, e com o despontar qualitativo do cinema nacional dos últimos anos, era mesmo uma questão de tempo que finalmente as criações de Mauricio de Souza tivessem a sua oportunidade na tela grande.
O responsável por tal projeto não poderia ser uma escolha mais promissora: Daniel Rezende, o celebrado montador (“Diários de Motocicleta”, entre outros grandes filmes) que estreou com pé direito na função de diretor (no formidável “Bingo-O Rei das Manhãs”).
E Rezende, de fato, emprega toda sua eficiência e seu conhecimento cinematográfico –que não deve, sobremaneira, ser subestimado –para a concepção desta obra.
Entretanto, adaptar o teor extremamente lúdico da “Turma da Mônica” para o realismo do live-action mostrou-se uma tarefa muito complicada: Tomemos o controverso exemplo (para alguns fãs) do cabelo do Cebolinha (Kevin Vechiatto) cujos cinco fios espetados (impraticáveis em cena) foram convertidos numa cabeleira normal de fios pontudos.
Como é sabido há décadas por meio dos famosos quadrinhos, Cebolinha é um pequeno morador do Bairro do Limoeiro, onde ele trava uma espécie de disputa pueril com a garotinha Mônica (Giulia Benite) de quem tenta a toda hora tomar o coelho de pelúcia Sansão valendo-se de seus ‘planos infalíveis’. Para ajudá-lo, Cebolinha tem a atrapalhada companhia de Cascão (Gabriel Moreira), garoto que tem absoluto pavor de água e de banho.
A comilona Magali (Laura Rauseo) termina por integrar essa turma.
Na trama, retirada em partes da graphic-novel escrita e ilustrada pelos irmãos Victor e Lu Cafaggi, o cachorro de Cebolinha, Floquinho, é roubado, e a turminha precisa passar por cima de suas eventuais rusgas para unir-se e descobrir seu paradeiro.
Há visível paixão na forma com que as criações de Mauricio de Souza são enfim vertidas para cinema –e só isso já torna “Turma da Mônica-Laços” uma obra a ser aplaudida.
Tal paixão aparece nas sistemáticas referências que se apinham na tela; e que vão desde os coadjuvantes Titi e Chaveco, a aparecer aqui e ali, até indícios não tão evidentes como a notícia de jornal que fala de um elefante verde (Jotalhão, um primeiros personagens de Mauricio), o boneco de pelúcio do dinossauro Horácio (outro personagem muito querido) e a aparição de Cranicola (um dos personagens da “Turma do Penadinho) numa breve cena em um cemitério.
Como ocorre na graphic-novel, Mônica, Cebolinha e os outros têm que atravessar a floresta do Parque das Andorinhas para chegar até a cabana onde mora o maior suspeito por ter roubado o cachorrinho, no entanto, muita coisa acaba mudando. Durante à noite, por exemplo, enquanto vigia os amigos que dormem, Cebolinha tem um encontro, como sempre surreal, com o aloprado personagem do Louco (Rodrigo Santoro, ótimo) que, como ocorre nas HQs, só interage com o próprio Cebolinha –o quê mantém preservada a teoria dele ser uma faceta algo esquizofrênica da imaginação do próprio garotinho.
Se a técnica do diretor Rezende é cheia de predicados louváveis, e as caracterizações de modo geral trazem uma fidelidade quase comovente à sua fonte (com destaque para a bela atuação da garota Giulia Benite), o filme em si não chega a harmonizar-se com suas próprias qualidades: O timing da narrativa se revela imperfeito em diversos momentos, tropeçando com frequência na inexperiência do elenco infantil, em especial, Kevin Vechiatto, cujo Cebolinha ganha mais protagonismo aqui do que Mônica, sua personagem principal de fato.
O excesso de precisão e de austeridade impostos na intenção de fazer um filme que correspondesse às altas expectativas subtraiu da obra o tom pueril e idealizado, nostálgico até, que sempre fez o encanto dos personagens e de suas histórias nos quadrinhos.
“Turma da Mônica-Laços” é bem realizado e válido em seu esforço de adaptação dos personagens que Mauricio de Souza criou, mas ele testa a paciência do expectador com um ritmo claudicante e incerto, com um prolongamento injustificado de sua duração e com algumas incoerências corriqueiras que vão sabotando a narrativa.
Nada que seja grave demais. E ainda há chance de melhorar e aperfeiçoar tudo isso no próximo filme que deve adaptar a segunda graphic-novel dos Cafaggi, “Lições”, infinitamente melhor e mais emocionante do que “Laços”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário