O cinema nacional, mesmo diante dos títulos de
insuspeita qualidade que ostenta atualmente, nunca explorou de forma
satisfatória os inúmeros episódios que envolvem a história do Brasil. Dos
poucos a abraçar tal tarefa, “A Guerra dos Pelados”, de Sylvio Back, lançado em
1970, busca uma recriação dos eventos acarretados na Guerra do Contestado (de
1912 a 1916) expondo a verve documentarista de seu realizador numa execução
bastante comprometida com as autenticidades históricas e regionais.
Sua trama se inicia em 1913 (logo, numa fase já
secundária da História em progresso) e, durante um tempo considerável, somos
testemunhas do dia-a-dia rústico dos moradores da região de Taquaruçu, no
interior de Santa Catarina, entre eles o doido e apaixonado Nenê (Stênio
Garcia) que ensaia gestos de valentia mato adentro com seu facão para
impressionar uma garota das redondezas; o nobre Adeodato (Átila Iório) cuja
postura austera o faz um líder informal na região; o corajoso soldado negro
Vitorino (Zózimo Bulbul), engajado no conflito; o idealista Ricarte (Otávio
Augusto) romanticamente envolvido com a bela Ana (Dorothée Marie Bouvier), a
revelia do pai da moça; e o sábio Pai Velho (o fabuloso Jofre Soares), uma voz
de orientação e conhecimento para a comunidade.
Nesse prólogo, o povoado de Taquaruçu já se
encontra em polvorosa: Todos estão indignados com a disposição subserviente do
governo que cedeu terras –muitas pertencentes a humildes agricultores do lugar
–para a construção de uma estrada de ferro por uma empreiteira internacional
(Southern Brazil Lumber Colonization & Company, como é mostrado em uma
placa em dado momento).
Logo, os desapropriados, entre os quais os
personagens mencionados acima e muitos outros mais, passam a compor uma
resistência que, em nome do monge José Maria (uma figura santa regional), e
inspirados pela causa similar de Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos,
formam um reduto messiânico entrincheirando-se nas terras de araucárias da
região e confrontando violentamente os soldados enviados para reprimí-los.
Esses rebeldes, pelo hábito coloquial de raspar
a cabeça são assim denominados ‘Pelados’ enquanto que seus opositores são
chamados de ‘Peludos’ em referências aos coronéis interesseiros, todos de
espessa barba na cara.
O objetivo dos ‘Pelados’ é oferecer uma
oposição física e bélica forte o bastante ás forças armadas dos ‘Peludos’ para
que possam chegar à região de Caraguatá, onde se unirão a novos reforços,
almejando contingente o suficiente para sobrepujar os inimigos.
O desenlace de suas intenções, contudo, é
sangrento.
O filme de Sylvio Back não acompanha nenhum
personagem com maior esmero, nem mesmo Adeodato, todos fazem parte do grande
panorama que ele se esforça para pintar e, nesse objetivo, perdem-se
caracterizações mais aprofundadas e sub-tramas mais elaboradas. A qualidade de
filme de guerra almejada pela produção se ressalta na segunda metade, mais
preenchida por valores de produção dignos de nota. As cenas de batalha
concebidas pelo diretor Back são intuitivas, despidas de técnicas narrativas
mais sólidas, fruto certamente da natureza criativa obtida em trabalhos
documentais e ocasionados de improviso em sua filmografia.
Além disso, “A Guerra dos
Pelados” é anterior a praticamente todos os clássicos atuais de filmes de guerra
que passaram a servir posteriormente como referência ao que se faz no gênero.
Dito isso, seus grandes méritos são o resgate corajoso e meticuloso de
passagens pouco difundidas da história brasileira (em especial, ocorridas no
sul do país), e o aproveitamento de tal contexto histórico numa raríssima e
admirável obra nacional inserida no cinema épico.
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