Obra do diretor François Girard a versar sobre
a personalidade singular e enigmática de um artista tido como um herói nacional
no Canadá: O pianista Glenn Gould (vivido com um distanciamento misterioso e
apropriado por Colm Feore, de “Thor” e “Cidade dos Anjos”) –pianista que,
dentre outras coisas, teve alguns prelúdios de Johan Sebastian Bach, gravados e
interpretados por ele, lançados ao espaço pela Nasa em duas naves Voyager
enviadas para além dos limites do sistema solar.
A estrutura talvez tenha inspirado vagamente o
filme “Não Estou Lá”, de Todd Haynes: Uma biografia focada nas armadilhas
escorregadias da narrativa, espelhando a ambiguidade de seu intrigante
protagonista.
“O Gênio e Excêntrico Glenn Gould” é um
documentário e ao mesmo tempo não é.
Ele não é, no sentido de que sua encenação o
faz recriando as situações da vida de um artista cuja personalidade desafiadora
jamais se deixará compreender. Ele é documentário, contudo, no sentido de que
resgata toda uma verdade que ronda a vida e a arte de seu biografado.
Quem era e quem poderia ter sido Glenn Gould é
uma questão que tenta-se responder por meio de pinceladas num quadro de arte
moderna –e cada uma delas responde por um dos trinta e dois curtas.
Em “Hamburg”, Gould está hospedado num hotel na
Alemanha. Lá, tem sua privacidade eventualmente invadida por uma humilde
camareira (Allegra Fulton, de "A Forma da Água") tão somente disposta a realizar sua tarefa. Entretanto, ele a
convence a ouvir uma de suas gravações de uma sonata de Beethoven. Ela lhe
retribui a estranha gentileza com um terno sorriso.
Em “Gould Encontra Gould”, uma brincadeira que
quase resvala na metalinguagem, onde o próprio músico se auto-entrevista acerca
da polêmica decisão tomada por Gould de não mais apresentar-se ao vivo,
utilizando, no lugar disso, as mais modernas gravações tecnológicas.
Em “Pílulas”, testemunhamos quase um sarcasmo
da narrativa ao fazer um segmento girando em torno do vício em remédios para
ansiedade e para a depressão do hipocondríaco protagonista.
Alguns episódios se incumbem de passagens mais
triviais, como “A Dica”, onde ele se esbalda criando um pequeno tumulto nas
compras e vendas de ações na bolsa de valores.
Noutro, nos é mostrada a visão irônica e lírica
que Gould tinha do mundo e da vida em conjugação com a própria música quando
ele decide fazer as vezes de maestro e conduzir uma sinfonia constituída dos
sons projetados numa conversa de amigos.
Alguns capturam depoimentos –o violinista
Yehudi Menuhin se mostra bastante avesso à postura de Gould –outros revelam
experiências vividas em atividades paralelas à de pianista –quando colaborou
com o animador escocês Nornam McLaren (com quem trabalhou no curta-metragem
“Spheres”) ou quando redigiu documentários radiofônicos.
Também roteirista deste protejo (ao lado de Don
McKellar), o diretor François Girard compôs essa desigual estrutura narrativa
homenageando a antológica gravação das “32 Variações Golberg”, de Johan
Sebastian Bach, pela qual Glenn Gould ganhou imensa fama.
Uma ode a um gênio
artístico de personalidade incomum que consegue se fazer tão singular quanto
sua celebridade retratada.
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