Um personagem de uma série de quatorze livros
infanto-juvenis escritos por Hugh Lofting muito famoso nos EUA, mas bem pouco
conhecido aqui no Brasil foi o escolhido pelo astro Robert Downey Jr. para
tentar dar continuidade à sua bem-sucedida carreira depois que ela ressurgiu
das cinzas quando ele interpretou Tony Stark em “Homem de Ferro”, no Universo
Marvel Cinematográfico, papel do qual ele se ocupou na última década (com
poucos e ocasionais projetos distintos como “Sherlock Holmes”, “Trovão Tropical”,
“Um Parto de Viagem” e “O Juiz”) e do qual ele se despediu em
“Vingadores-Ultimato”.
O mesmo personagem já havia rendido um musical
irregular (ainda que indicado ao Oscar!) em 1968, estrelado por Rex Harrison e
dirigido por Richard Fleischer, e, em sua encarnação mais famosa, uma comédia
de grande sucesso popular com Eddie Murphy.
Esta nova produção, dirigida por Stephen Gaghan
(roteirista de “Traffic” e diretor de “Syriana”, uma escolha um tanto estranha
para um filme de apelo quase infantil) baseia-se com mais contundência em
elementos dos livros (sobretudo, o segundo “The Voyages of Dr. Dolittle”),
valendo-se de admiráveis valores de produção para concretizar sequências que
passavam longe nos planos da simplicidade singela das adaptações anteriores.
Assim, “Dolittle” começa numa animação
estilizada que relata as origens de seu protagonista: Um médico inglês que ao
lado de seu grande amor, Lilly (Kasia Smutniak), viajou por todo o mundo
aprendendo as línguas de todos os animais, com os quais passou a ser capaz de
se comunicar. Como nos é informado, uma tragédia –a morte da amada ocorrida
justamente na única viagem na qual não a acompanhou –o torna alguém recluso,
muito falado, mas bem pouco visto.
O filme se inicia de fato quando o jovem Tommy
Stubbins (o fraquinho Harry Collett) resolve procurá-lo em sua propriedade (na
qual somente os animais estão autorizados a adentrar) para que cure um esquilo
ferido. Junto com Tommy, aparece também a bela e jovem Lady Rose (a estreante Carmel
Laniado) que apesar da pouca idade chega representando a Família Real da
Inglaterra: A Rainha Victoria (Jessie Buckley, da série “Chernobyl”) se
encontra doente e antes que seu estado a leve para sempre (permitindo que
abutres interesseiros como o personagem vivido por Jim Broadbent assumam a
coroa), ela deseja recorrer aos inusitados conhecimentos do Dr. Dolittle para
tentar curá-la.
Robert Downey Jr. compõe John Dolittle com a
propriedade que lhe é característica: Nada nele lembra trejeitos ou cacoetes de
Stark ou quaisquer um de seus personagens anteriores. É um trabalho metódico de
um ator dedicado e talentoso.
E, munido de efeitos visuais que transformam a
fauna inquieta de diversos animais coadjuvantes num show à parte, o flme
transforma as cenas iniciais de interação entre Dolittle e os bichos em um
deleite –com destaque para a sequência que ele e seus ‘assistentes’ conseguem
fazer um diagnóstico da condição da Rainha Victoria.
É quando “Dolittle” começa então a apresentar
suas tremendas fraquezas –um tanto quanto cedo demais... –o bom médico chega à
conclusão de que a única cura para a Rainha Victoria é a seiva da ‘Árvore do
Édem’ –mesma iguaria que sua amada Lilly morreu tentando encontrar!
Assim, acompanhado de Tommy, que agora deseja
ser seu aprendiz, o Dr. Dolittle empreende uma claudicante aventura rumo à
terras desconhecidas –que passa pelo reino do ex-sogro, um monarca beligerante
vivido por Antonio Banderas –seguido de perto pelos emissários dos
conspiradores, liderados pelo médico perverso e apalermado interpretado por
Michael Sheen (que até lembra do Dick Vigarista!).
Se muitos dos personagens humanos soam
absolutamente rasos e a trama tem inúmeras passagens indefinidas, isso se deve
em grande parte pela pouca familiaridade do diretor Gaghan com esse tipo de
gênero (o que nos faz perguntar o tempo todo porque ele foi escolhido para o
projeto!): Essa inadequação foi detectada pelos produtores em algum momento da
produção e o diretor Jonathan Liebesman (de “Tartarugas Ninja”) foi chamado
para rodar cenas adicionais e dar mais leveza e coesão ao material. O resultado
foi uma narração em off da arara dublada por Emma Thompson (!) que preenche
muitas lacunas da trama de forma incômoda e ginasiana e uma irregularidade de
estilo, ritmo e lógica que sabota sistematicamente todo o filme, culminando no
prato principal do mau gosto, seu clímax, onde os realizadores julgaram ser uma
boa ideia mostrar uma cena de humor grosseiro (e, no fim, nada engraçado) em
torno de um dragão com prisão de ventre (!!).
Da forma como ficou, para
cada acerto, “Dolittle” apresenta um lapso: Seu protagonista conta com um astro
empenhado e hábil, mas seu co-protagonista (os olhos da plateia, assim sendo),
é vivido por um jovem ator mais perdido que cego em tiroteio; seus efeitos
visuais criam animais com uma fascinante
fluidez em cena (e que conta com um elenco estelar de vozes, como Tom Holland,
Octavia Spencer, Rami Malek, John Cena, Marion Cottilard, Selena Gomez e Ralph
Fiennes), mas seu elenco humano coadjuvante, em compensação, está tão lastimável
quanto caricato (com a louvável exceção de Antonio Banderas); e, se o filme
conta com a beleza visual proporcionada pela fotografia de Guillermo Navarro,
todas as cenas com ela concebidas são entremeadas numa narrativa problemática,
a qual o expectador acompanha sem maiores envolvimentos.
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