domingo, 5 de abril de 2020

Orquídea Selvagem

Zalman King ganhou certo renome após o sucesso colossal de seu roteiro para “9 e ½ Semanas de Amor”, filmado por Adrian Lyne –de repente, ele, que havia escrito pouco mais que um romance modernoso sobre pulsões sexuais inusitadas, era um profissional considerado a última palavra em erotismo.
Ele soube aproveitar a maré lançando-se como o próprio diretor de seus scripts (no longa “Um Toque de Sedução”) e –sem o estilo visualmente extravagante de Lyne –as suas características autorais começaram a ficar mais claras: King tinha o objetivo de conceber um misto elegante e excitante de dramaturgia nada usual com erotismo em níveis desafiadores para o mercado convencional de então, numa postura que lembrava um pouco os projetos fetichistas do italiano Tinto Brass.
Lançado em 1990, “Orquídea Selvagem” reuniu Zalman King novamente com o astro de “9 e ½ Semanas...”, Mickey Rourke, prometendo uma obra de sexualidade forte e singular tanto quando foi o cultuado filme de Lyne.
“Orquídea Selvagem” começa com sua protagonista de fato, Emily (a modelo Carré Otis) rumando para Nova York a fim de vencer na vida –ponto de partida mais clichê, impossível!
Lá, ela obtém emprego como advogada na empresa da poderosa Claudia Liones (Jacqueline Bisset, absolutamente sensacional) e de pronto as duas seguem para o fechamento de um negócio a ser realizado em terras brasileiras envolvendo chineses e um edifício antigo.
A distinção da realização de Zalman King para os filmes eróticos mais convencionais –mesmo os de hoje –é, sobretudo, o tempo prolongado que ele demanda para elaborar sua premissa. Uma pena que esse período anormalmente longo permite ficarem evidentes os lapsos de sua produção: Se Jacqueline Bisset rouba com facilidade cada uma das cenas em que aparece, a novata Carré Otis é tão inexpressiva que nem falar ela consegue direito que o diga atuar! O próprio Zalman King, como diretor, deixa bastante claro que seu outro roteiro funcionou bem porque um diretor perspicaz como Adrian Lyne soube enfatizar elementos do filme que camuflavam a fragilidade da trama; já, aqui, cada detalhe colabora para evidenciar sua superficialidade.
Desde a ambientação no Rio de Janeiro (onde conta com a presença do ator Milton Gonçalves) passando pelas despropositadas inserções de bailes de máscaras sem o menor sentido (ao que parece, um fetiche de King) e pelo apático personagem de Mickey Rourke “Orquídea Selvagem” soa todo jocoso e improvável.
E, por falar em Rourke: Seu personagem, de nome Wheller, é um dos empresários envolvidos na tal negociação. Emily assim, recebe de Claudia a incumbência de acompanhá-lo (e, se possível, vigiá-lo de perto) a fim de garantir que ele não cometa nenhuma travessura antes que seja fechado o negócio.
Sedutor nato, envolto em mistério e cheio de manhas, Wheller logo enreda Emily –que desde o início ostenta adjetivos entre ‘frígida’ e ‘travada’ –numa espécie de jogo de provocação, identificando muitos dos desejos ocultos dela; alguns deflagrados por uma cena de sexo que ela testemunhou no tal edifício antigo envolvendo um casal de negros (a mulher particularmente é estupenda!).
Engana-se, todavia, aquele expectador que deduzir que eles logo partem para os finalmentes –protelar, ao menos em seus primeiros trabalhos, parece ser o maior joguete de King –Wheller, na realidade, tem ao que parece um bloqueio emocional (nunca devidamente esclarecido) onde não tolera ser tocado; daí sua incapacidade de consumar suas conquistas deixando as mulheres sempre em expectativa (algo um pouco parecido com o que é mostrado com o personagem principal de “Cinquenta Tons de Cinza”, mais de vinte anos depois). Dessa forma, impossibilitado de extasiar-se diretamente com um toque, Wheller resolve experimentar tal sensação indiretamente, através de Emily, levando ela a deixar-se seduzir por um outro turista americano (uma ponta meio cafajeste de Bruce Greenwood).
Ela se torna de tal forma uma obsessão para ele, que Wheller chegar a comprar o edifício antigo, interferindo nos negócios, apenas para mantê-la por perto mais algum tempo.
Entre floreios excessivos a pavimentar o caminho da sugestão até o fato, o filme de Zalman King oferece um erotismo pulsante e revelador quando é chegada a hora –uma pena o fato dele submeter o expectador a um considerável teste de paciência antes disso: Porque as noções cinematográficas de King como diretor são rudimentares e equivocadas (e não aparentam terem melhorado em trabalhos posteriores), porque o retrato que ele pinta das noites cariocas (assim como do carnaval) é tão bisonho que chega a resvalar na comédia involuntária e porque, salvo Jacqueline Bisset, os demais atores não mostram a menor veracidade em seus papéis, nem mesmo Mickey Rourke (que certamente iniciou sua decadência profissional com esta obra) ou Carré Otis, que se casaram na vida real depois deste filme, ainda que em cena não apresentem maiores compatibilidades.

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