“Jackass” nasceu como um programa humorístico
de quadros radicais na MTV –a frase “As cenas deste filme foram feitas por
profissionais, você e seus amigos idiotas não tentem repeti-las em casa” ficou
famosa durante um bom tempo! Eventualmente, “Jackass” migrou em versões para
cinema, em meio às quais identificou-se um sucesso junto ao seu público de “Bad
Grandpa”, o quadro onde o protagonista Johnny Knoxville era maquiado
(brilhantemente maquiado, diga-se) como um velhinho octogenário que metia-se
deliberadamente nas maiores confusões.
Após uma trinca bem-sucedida de longa-metragens
para cinema de “Jackass” tornou-se um empecilho para os realizadores a fama e o
reconhecimento de Knoxville –o fato do programa depender de flagrantes reais de
pessoas comuns nas ruas dependia do detalhe incontornável deles não saberem
quem seu personagem principal era (!).
Assim, pareceu inevitável o aproveitamento do
conceito do quadro “Bad Grandpa”, ainda que a produção o faça lançando mão de
subterfúgios inéditos para o programa “Jackass”.
Há inventividade em “Vovô Sem Vergonha”,
entretanto, tal inventividade está oculta atrás de uma muralha de escracho,
escatologia e humor politicamente incorreto, tornando um bocado possível passar
despercebido do público.
Idealizado pelo autoral e conceituado Spike
Jonze (que atua como produtor e argumentista) e dirigido por Jeff Tremaine
(presente em todas as realizações anteriores, de TV ou cinema, de “Jackass”)
“Vovô Sem Vergonha” parte do princípio inédito de que tudo, desta vez, é uma
ficção –afinal, há personagens sendo interpretados por seus atores –e,
portanto, segue uma certa linha narrativa. Só isso já distingue “Vovô Sem
Vergonha” de todas as obras “Jackass” que sempre se amparavam em quadros que lembravam
mais uma versão extrema das “pegadinhas”.
Assim, Knoxville é Irving, um idoso de 86 anos
que perdeu a esposa recentemente. Ele tem um neto de oito anos, Billy (o
notável Jackson Nicoll) cuja mãe (Catherine Keener), tão viciada em drogas
quanto traficante, o deixa aos cuidados do velho para evitar a prisão. Irving
não deseja cuidar de uma criança diante de sua recém-conquistada liberdade –ele
comemora o óbito da esposa como quem acerta na loteria! –e assim empreende uma
viagem pelas cidades americanas até encontrar o pai dele para poder deixar
Billy aos seus cuidados.
Essa trama, algo básica, serve aos propósitos
da produção que idealiza cenas escrachadas desenvolvidas ao longo da grande
viagem do avô e do neto, em meio à qual eles protagonizam cenas absolutamente inacreditáveis.
Numa sacada parecida com o igualmente inacreditável “Borat”, os protagonistas
em cena são os únicos seres fictícios da situação, todos os outros
‘personagens’, por assim dizer, são pessoas reais eventualmente presentes nos
locais reais onde a cena se sucedeu –e, entre outras coisas, as câmeras
arrojadas da produção capturam suas reações assombradas diante das presepadas
que se sucedem.
E os realizadores, de fato, não mediram
esforços para que os segmentos que compõem “Vovô Sem Vergonha” fossem
antológicos: Desde as primeiras cenas (Billy na sala de espera de um
consultório relatando inocentemente os vícios chocantes da mãe; Irving num
hospital recebendo a notícia do falecimento e reagindo de forma festiva) até os
momentos que se seguem avançando a trama adiante (o velório da esposa, com
pessoas reais; os funcionários de mudança contratados para carregar o cadáver
da mulher; e todas as maluquices que se seguem estrada afora), “Vovô Sem
Vergonha” confronta o expectador com um humor implacável e alucinado.
Algumas cenas, a despeito do nível extravagante
de vergonha alheia e sarcasmo irrestrito, impressionam pela maneira estupenda
com que são elaboradas –é o caso da sequência do pênis preso numa máquina de
refrigerante (!!); da cama eletrônica dobrável; da boate de stripper masculino,
da desastrosa competição de peidos (!!!) dentro de uma lanchonete, do desfecho,
num bar de motoqueiros que atuam como assistentes sociais e, logo depois, num
concurso de beleza mirim.
“Vovô Sem Vergonha” não poupa nada, nem ninguém
de seu humor insano e desavergonhado. Seus detratores podem apontar, com muita
razão, o mau gosto indiscutível presente em cada uma das ações de seu depravado
protagonista, mas em sua sinceridade criativa ele se vale justamente disso para
encontrar graça nas reações verdadeiras de seu vasto leque de incautos
coadjuvantes colhidos da realidade.
Digam o que quiserem de seu
humor de porta de banheiro e da bizarrice assumida de seu conceito, mas ele não
deixa de ser um dos filmes mais engraçados dos últimos anos.
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