Magnífica minissérie da HBO que reconstitui o
conhecido e terrível episódio real (que há tempos merecia uma boa
reconstituição cinematográfica) do vazamento radioativo da Usina Nuclear de
Chernobyl, na Ucrânia Soviética.
Dirigida com vigor insuspeito pelo jovem Johan
Renck, a minissérie é sucinta e objetiva: Vai direto ao ponto mostrando, já em
seus primeiros minutos, o acidente fatídico deflagrado na madrugada de 27 de
abril de 1986, quando em meio a um teste de segurança, o reator nuclear apresenta instabilidade alarmante em seus índices de pressão e, ao ser
realizado o protocolo de desativação emergencial, explode contra todas probabilidades.
Tão improvável era esse fato que as autoridades
maiores presentes na usina na ocasião –imbuídas, além de tudo, da irredutível
mentalidade soviética de então –relutam em aceitar a catástrofe como ela é:
Chamam os bombeiros para conter o que acreditam ser um mero incêndio, alertam a
população de que foi um incidente menor já devidamente controlado, e censuram com
veemência ameaçadora aqueles que percebem de imediato o perigo real que se
anuncia.
As fatalidades começam a se somar ao longo da
noite. Mesmo diante de afirmações de operários –alguns em estado já quase
moribundo pela exposição à radiação –os diretores se recusam a crer que o
reator tenha explodido.
Quando o presidente Mikhail Gorbachev em pessoa
(interpretado por David Dencik) cria um comitê para avaliar, com alguma
indiferença, os detalhes do acidente, é o vice-diretor do Instituto Kurchatov,
Dr. Valery Legazov (Jared Harris, sensacional), quem alerta para pequenos
detalhes do relatório: Como as descrições de pedaços de minérios na cobertura
do prédio como sendo destroços de grafite (material que só existia no interior
do reator) e as leituras de radiação consideradas baixas simplesmente porque
registravam o número máximo marcado nos dosímetros comuns.
Quando Legazov é despachado para Chernobyl ao
lado do responsável por controlar a crise Boris Shcherbina (Stellan Skarsgard),
a precipitação radioativa já se espalhou até a cidade mais próxima, Pripyat,
contaminando toda a população, o solo, os animais, as árvores, as plantas e
toda sorte de objetos pelo caminho.
E a grande cratera ainda estava aberta e em
chamas, despejando material nocivo na atmosfera a cada hora que se passava.
O trabalho esplêndido do diretor Johan Renck
vale-se magistralmente do formato minissérie justamente para abranger todo o
escopo detalhado e inacreditável da extensão científica, logística, física e
humana do acidente, construindo com esse empenho cenas poderosas que
dificilmente abandonarão a memória do expectador.
É um daqueles casos em que a grandiosidade
necessária da história justifica seu formato: “Chernobyl” dá corpo assombroso e
envolvente aos desdobramentos do acidente trágico, mas eles emolduram um trama
na qual seu conteúdo vem repleto de informações pertinentes, como a presença de
Ulana Khomyuk (a ótima Emily Watson), física nuclear que se une a Legazov
quando um novo problema aparece no horizonte.
Com o incêndio do reator contido à duras penas,
o aquecimento fora do comum (acarretado por material radioativo) leva os
tanques de água, normalmente instalados em usinas desse porte a um
superaquecimento súbito. E o vapor resultante da contenção pode levar a uma
explosão tão incomensurável que afetaria outras usinas nucleares levando todo o
leste europeu a um inverno radioativo.
Assim, são requisitados voluntários com o objetivo de
entrar na área de contaminação mais perigosa da usina já em frangalhos para uma
missão suicida onde devem dar a volta nas instalações submersas em água
altamente contaminada e abrir as comportas para o corpo de bombeiros –e
desnecessário dizer que novamente a produção entrega uma cena tão memorável
quanto asfixiante!
A própria Khomyuk é designada, logo depois,
para a tarefa de colher depoimentos entre os operadores da sala de comando
presentes do momento fatídico –aqueles que ainda tinham condições de falar,
pelo menos –para tentar descobrir o que levou à explosão fatal, encontrar e
determinar o erro para que ele nunca ocorra novamente.
É isso que leva ao notável episódio final
(dentre os cinco que esta minissérie espetacular tem), onde a narrativa ganha
ares tensos de um filme de tribunal: Com a maior parte da calamidade contida
depois de mais de um ano, Legazov, Shcherbina e Khomyuk participam do
julgamento dos responsáveis pela usina presentes naquela noite, o gerente de
Chernobyl, Viktor Bryukhanov (Con O’Neill), seu engenheiro-chefe Nikolai Fomin
(Adrian Rawlins, de “Harry Potter e O Cálice de Fogo”) e o engenheiro-chefe assistente
Anatoly Dyatlov (Paul Ritter, de “A Legião Perdida”), e nesse ensejo, esbarram
em uma verdade técnica desconcertante que foi encobrida anos antes pela própria
KGB, e que pode ter relação direta com o acidente, e com outros ainda prováveis
de acontecer se a prevenção não for executada e se a verdade nua e crua não
vier a público.
O trabalho do diretor Renck
prima assim pelo manuseio magistral de todas essas facetas, de todos os gêneros
que se alternam simultaneamente (do drama íntimo ao filme catástrofe), dos mais
variados núcleos dramáticos e dos exigentes aspectos técnicos, conseguindo
mesmo assim manter um admirável equilíbrio e coesão que transformam “Chernobyl”
num espetáculo informativo, urgente e impactante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário