quinta-feira, 23 de abril de 2020

Suspiria

Pérola destacada entre as inúmeras pérolas que o italiano Dario Argento urgiu dentro do gênero de terror ao longo de sua carreira, “Suspiria” une mais do que inteligência e talento, uma percepção desigual de estilo moldada com brilhantismo dentro da fórmula básica que sempre fascinou Argento –e que ele soube tornar fascinante aos olhos também dos inúmeros admiradores que conquistou.
O princípio de “Suspiria”, para os conhecedores, é realmente Dario Argento puro: Uma mocinha norte-americana chega à cidade alemã de Friburgo e são necessários breves detalhes espertamente plantados para notarmos que ela é a clássica protagonista em apuros que centraliza a fórmula da maioria dos contos macabros de Argento.
Vivida por Jessica Harper com uma aflição indissolúvel no olhar de ponta a ponta, a jovem Suzy Bannion chega à Academia de Dança Tanz em meio a uma nebulosa comoção: Quase a cruzar-se com ela durante a entrada, uma outra aluna, Pat (Eva Axen), foge da escola transtornada.
Em sua fuga –que se desdobra numa cena para longe da protagonista e do ambiente principal de todo o resto do filme –Pat refugia-se no apartamento de uma amiga, somente para ser vitimada minutos depois por algo muito sinistro.
Suzy descobre a morte da garota na manhã seguinte, assim como os códigos de conduta da estranha escola, cujas professoras (e algumas alunas também) fazem intrigante mistério acerca da presença de sua diretora.
Suzy sabe que seu breve encontro com Pat possui uma pista a respeito do que existe de tão pouco confiável naquela escola e, como toca no cinema da reconstituição, do olhar fugidio e do testemunho abstrato de Argento, ela rememora seguidamente ao longo do filme aquele instante, em busca de um esclarecimento enquanto novos e tenebrosos acontecimentos vão se enfileirando: O pianista cego das aulas de dança é estranhamente morto pelo próprio cão e até mesmo Sara (Stefania Casini), melhor amiga de Suzy e outra que alimentava fortes suspeitas em relação à escola e às pessoas de lá, encontra um final dos mais sinistros.
A medida que percebe os comportamentos nada comuns do corpo docente da escola –a rigorosa e afetada Miss Tanner (Alida Valli), o mordomo romeno e sorumbático Pavlo (Giuseppe Transocchi), a suspeita Madame Blanc (Joan Bennett, de “Não Somos Anjos”) –Sara descobre novas informações obtidas com um psicólgo (Udo Kier, de “Sangue Para Drácula”) com quem Sara já vinha conversando, e dá continuidade  à investigação dela.
Além do fato bastante evidente de Dario Argento e sua equipe terem aqui atingido um ápice técnico e artístico de primorosa e orgânica percepção de cena, o que confere diferencial palpitante à “Suspiria” é o trabalho visual estupendo perpetrado por Argento que troca o jogo convencional de sombras por um manejo ininterrupto de cores nos cenários, nos figurinos, na iluminação e nos filtros de câmera que transformam o filme numa verdadeira experiência sensorial: Durante a primeira parte, por exemplo, quando ainda trabalha a sugestão, não é raro Argento contrapor uma cena trivial de diálogo, onde todo o cenário e os adereços cênicos são de um único tom de cores frias (um azul turquesa acompanhado de verde), com a incômoda aparição de algum pequeno elemento da cor vermelho-sangue, deixando o expectador com uma pulga atrás da orelha.
Nos seus momentos mais intensos, "Suspiria" imerge o público em cenas banhadas de vermelho, azul ou amarelo; cores que ressaltam o desconforto de suas personagens.
Apesar de possuir mais elaboração e profissionalismo que outros projetos anteriores de Argento (e até alguns posteriores), “Suspiria” ainda assim é baseado nas características instintivas de seu estilo: Elas surgem em pequenas inserções da narrativa, sobretudo, nas cenas com animais e outras criaturas –os vermes que caem do teto do quarto; ou o morcego que invade repetinamente o banheiro –para evidenciar que o mundo, na cartilha de Argento, é perigoso e inóspito, mesmo quando não existem assombrações espreitando nas sombras.

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