Estréia do diretor sérvio Emir Kusturica no
cinema norte-americano, “Arizona Dream” não perde nem um pouco da melodia
onírica, do tom imaginário que já inebriavam seus aclamados trabalhos
realizados na Europa –isso se deve pelo fato da equipe técnica ser majoritariamente composta pelos mesmos
artesãos que o acompanharam nos delírios de “Vida Cigana” ou “Quando Papai Saiu
Em Viagem de Negócios”.
A espelhar o cinema lúdico e desconcertante de
Fellini, o cinema de Kusturica (e este seu primeiro filme em língua inglesa,
portanto) evoca uma atmosfera imediata de fábula: Uma família de esquimós
aparece nas cenas iniciais. O pai quase morre no gelo, mas acaba salvo por seus
fiéis cães. Do peixe que ele consegue trazer para casa, ele retira o estômago e
com ele faz um balão inflável (!) para que seu filho possa brincar. O balão voa
e acaba indo parar em Nova York onde encontramos o protagonista do filme, Axel
(Johnny Depp), um jovem desajustado e solitário; a sequência com os esquimós
será uma espécie de sonho que o perseguirá por todo o restante do filme..
Axel é visitado por seu primo, Paul (Vincent
Gallo, de “Os Chefões”) que deve levá-lo para o casamento de seu tio, embora
Axel relute, preferindo ficar ali.
Paul o embebeda e, quando Axel dá por si, está
no Arizona (!).
Seu tio, Leo (um já envelhecido Jerry Lewis)
irá casar-se com uma moça muito mais jovem, Millie (a bela Paulina Porizkova,
de “Anna” e “Adorável Sedutora”) e deseja Axel perto dele, não apenas pela
ocasião de seu casamento –isso, na verdade, era um mero pretexto –mas, trabalhando
em sua loja onde passou a vida vendendo cadillacs, crente de que poderia empilhar carros o suficiente para chegar até a lua!
Sem saber muito o rumo a tomar com sua vida.
Axel conhece uma dupla desvairada de mãe e filha –ou seria melhor dizer,
madrasta e enteada –Elaine (Faye Duanaway) e Grace (Lili Taylor, de “O Vício”);
a primeira é obcecada por voar, e passa o filme a tentar alcançar esse objetivo
através das mais diversas máquinas voadoras; a segunda, toca acordeão para
espairecer as maluquices da outra, enquanto se mostra fascinada por tartarugas.
Personagens plenos de delírio por si só que
encontram na encenação orgânica e desvairada de Kusturica um combustível ainda
mais inflamável para sua loucura: No primeiro jantar na casa de Elaine, ela e
Grace iniciam uma discussão diante dos convidados, Axel e Paul.
Grace tenta se suicidar com um meia-calça
amarrada no teto, mas, só consegue ficar indo e vindo pendurada pelo pescoço
como um io-iô (!), enquanto Paul –que, como todo o resto, tem uns parafusos a
menos –começa a alucinar recitando frases de “Touro Indomável”.
Axel e Elaine, por sua vez, se tornam um casal
e, no transcorrer dos dias, o rapaz passa a morar com ela e a enteada, conforme
cada personagem nutre o próprio sonho da forma como pode: Elaine tenta voar;
Grace faz planos (concretizados no desfecho ligeiramente amargo) para
reencarnar como tartaruga; Paul almeja fugir da mediocridade virando ator
(hilária a cena em que ele tenta imitar a icônica perseguição de Cary Grant por
um avião em “Intriga Internacional”); e Tio Lee busca pela juventude perdida,
menos casando com Millie (que tem idade para ser sua filha) e mais garantindo a
presença de Axel por perto.
Colhido nesse turbilhão de anseios e carências,
Axel parece deixar seus próprios sonhos em suspense: Obcecado por peixes, como
fica claro em sua narração em off, e nas histórias que conta e reconta, Axel
tem pesadelos com um peixe que representa uma espécie de mau agouro ao longo do
filme, e passa quase toda a trama a flutuar por sobre os dramas de outrem.
Diretor de percepções
extremamente incomuns, Emir Kusturica não engessa seu filme em construções
dramáticas previsíveis, nem estabelece qualquer arco narrativo que o expectador
consiga acompanhar com tranquilidade ou segurança do que pode ou não acontecer
na cena seguinte; sua obra é uma surreal sucessão de acontecimentos inesperados
cujos desenlaces são impossíveis de serem previstos justamente por sua natureza
singular e insólita.
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