quarta-feira, 10 de junho de 2020

A Mansão do Inferno

Dario Argento estabelece um interessante paralelo entre este filme e seu aclamado “Suspiria”, de 1977, lançado três anos antes, ao transformá-los em fragmentos de um mesmo corpo narrativo.
“A Mansão do Inferno” começa com a poetisa Rose Elliot (Irene Miracle), italiana moradora em Nova York, descobrindo num livro intitulado “As Três Mães” as pesquisas obcecadas de um certo E. Varelli; segundo ele, existem três poderosas edificações de bruxaria no mundo, a ‘Madre Suspiriorum’ em Friburgo, na Alemanha (essa mostrada em “Suspiria”, à propósito), a ‘Madre Lacrimarum’ em Roma, na Itália, e a ‘Madre Tenebrarum’ em Nova York, nos EUA. O livro forneceu à Rose as pistas para descobrir o paradeiro de, pelo menos, duas das chaves dessas edificações, e com isso, alarmada pela sensação de que está sob forte ameaça, ela escreve uma carta para seu irmão, Mark (Leigh McCloskey), contando-lhe tudo e dando início à trama do filme.
Mais do que o estilo predominante de Argento ao longo de toda sua filmografia, “A Mansão do Inferno” espelha técnicas que ele testou apenas em “Suspiria”, como o emprego de luzes e cenários imersos em cores primárias –tonalidades berrantes de azul, vermelho, amarelo ou verde determinam muitas vezes a intensidade sufocante e aflitiva da cena, acrescidas aqui pela trilha sonora diabólica de Keith Emerson.
Como é inerente em Argento, essa contundente expressão de estilo sobrepõe certa coerência da narrativa: Em sua primeira meia hora, o diretor e seu roteiro parecem mais preocupados em enumerar personagens aleatórios para lhes reservar mortes metódicas e elaboradas do que em esboçar  alguma plausibilidade.
Introduzido tardiamente, o protagonista Mark pouco faz até quase o trecho final; antes disso, a narrativa de Argento se detêm noutros personagens, como sua colega do curso de música Sara (Eleonora Giorgi), os quais, por alguns momentos, aparentam ter peso junto à trama, quando na verdade não passam de artifícios para protelá-la.
Assim, depois da morte de Rose, Mark vai à Nova York no estranho prédio, habitado por estranhos moradores em que ela morava: A estranhamente apática senhora da portaria (Alida Vali); o proprietária de uma loja vizinha de antiguidades (Sacha Pitoëff), enlouquecido pela profusão de gatos nas redondezas; a condessa solícita e perplexa, amiga de Rose (Daria Nicolodi), seu sinistro mordomo (Leopoldo Mastelloni); e a enfermeira irreal e sorridente (Veronica Lazar) que trata um sorumbático e soturno senhor idoso (Feodor Chaliapin).
De novo, o estilo de Argento molda um conto macabro e desigual onde sua originalidade tanto o abrilhanta com sua profusão desestabilizadora de cores quanto com a inventividade sádica de suas mortes, como também o faz acrescentando contradições à própria premissa, falhando em estruturar um roteiro sem furos e passando com indiferença por consideráveis lapsos de lógica.
O que importa para Argento é o espanto visual e não a verossimilhança que, por ventura, conduz a tais momentos.
O encadeamento perceptível entre as tramas de “Suspiria” e deste “A Mansão do Inferno” só foi se converter numa trilogia de fato quando, muito tempo depois, Dario Argento realizou o terceiro exemplar, “O Retorno da Maldição-Mãe das Lágrimas”, em 2007, finalmente revelando também a trama em torno da terceira bruxa, ‘Madre Lacrimarum’, em Roma.

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