terça-feira, 23 de junho de 2020

Quem Encontra Um Amigo, Encontra Um Tesouro

Ainda na década de 1960, os italianos Mario Giuseppe Girotti e Carlo Pedersoli começaram a estrelar, em colaboração, exemplares de faroeste spaghetti. A obra que marca o início dessa parceria é “Deus Perdoa... Eu Não!” que, similar aos ‘spaghetti’ realizados no período, era sério e violento, dissonante da pegada mais cômica que passou a predominar nos filmes que os dois protagonizaram depois. Sob os pseudônimos artísticos de Terence Hill e Bud Spencer, o sucesso e o carisma da dupla deu tão certo que eles passaram a estrelar filmes consecutivamente, alguns ainda de faroeste, outros de aventura, ação, policial... todos temperados com doses generosas de comédia, num viés que atraia um vasto e variado público para os cinemas.
Com o tempo, os projetos deixaram as características iniciais para acomodar tramas mais pueris que servissem de moldura à sempre simpática sintonia entre os dois.
Datado já dos anos 1980, a aventura “Quem Encontra Um Amigo, Encontra Um Tesouro” atende a essas demandas, o que, trocando em miúdos, significa menos brilho autoral da parte da execução e mais uma fórmula escapista seguida à risca, que consistia de situações nas quais os protagonistas deitavam e rolavam com seu humor peculiar, suas trapalhadas já tornadas inofensivas e a premissa onde basicamente se encontravam, por uma razão qualquer, formavam uma parceria hesitante aos trancos e barrancos, e terminavam prevalecendo sobre os valentões da vez, sempre ostentando malandragem astuciosa da parte de Terence Hill e implacável força física da parte de Bud Spencer.
E se tal fórmula funcionou muito bem por quase três décadas, quem sou eu para reclamar?
Terence Hill, aqui, é Alan, um apostador de corridas de cavalos não muito favorecido pela sorte: Já no princípio do filme, ele tem em seu encalço um punhado de apostadores lhe cobrando o dinheiro que lhes deve. Em fuga, Alan acha bem propício aproveitar o ensejo de que seu tio Brad (Herbie Goldstein), um veterano da Segunda Guerra Mundial, andou delirando e desenhando um mapa de um suposto tesouro que só ele dizia saber a localização, para partir dali, em busca da riqueza e para longe de seus credores.
Ele acaba se escondendo dentro do barco à vela de Charlie (Bud Spencer) velejador financiado por uma marca de marmelada –cuja camiseta ele usa o filme todo –para empreender uma viagem ao redor do mundo como forma de divulgar o produto.
A primeira quase meia hora de filme se restringe ao interior do barco de Charlie e, mesmo assim –prova da funcionalidade plena do carisma de seus astros –funciona: Charlie começa a suspeitar de um clandestino a bordo quando toda comida que prepara desaparece assim que, por qualquer razão, acaba virando as costas (as piadas envolvendo comida e glutonaria que são comuns em todos os filmes deles).
Quando Alan é descoberto, ele apela para o bom coração de Charlie para que não seja abandonado no mar, e passa a atuar como seu funcionário a bordo da embarcação, contudo, Alan tem seus próprios planos: Ele sabota a bússola do barco e traça sua própria rota a partir do mapa de seu tio. Quando Charlie enfim descobre a travessura de seu colega, eles já estão próximos da tal ilha do tesouro, e resta aos dois ir até o fim nessa procura.
Quando o filme chega à tal ilha –na verdade, a Baía de Biscayne, na Flórida, onde as filmagens foram feitas, e que não lembra em nada uma ilha selvagem (!) –as coisas esfriam um pouco: O humor ganha ares mais infantilizados, as piadas se tornam menos ágeis e mais burocráticas, e a narrativa passa a enrolar com algumas situações –inclusive com os clichês batidos de índios e piratas!
Além disso, a dupla encontra um soldado japonês (John Fujioka) crente que a Segunda Guerra Mundial ainda estava em curso (!) –teria este personagem inspirado o de John C. Reilly em “Kong-A Ilha da Caveira”? –e, por conta disso, ainda protegendo o tesouro, milhões de dólares em dinheiro confiscado pela marinha do Japão.
Era provável que um pouco mais de seriedade no tratamento da premissa viesse a valorizar ainda mais os lances de humor quando eles acontecessem, no entanto, o diretor Sergio Corbucci, já conhecedor dos meandros que norteavam as realizações da dupla, arma o espetáculo no piloto automático, deixando seus dois protagonistas brilharem. As cenas elaboradas no roteiro servem somente ao humor no qual eles se especializaram, e pouco se disfarça dos rumos bastante previsíveis que tudo acaba adquirindo –era o cinema comercial trocando o audacioso pelo confortável (e até hoje, convenhamos, ainda é feito assim).
Não é o melhor trabalho da dupla, mas na contabilidade de seus acertos, e na graça genuína que obtém sendo aquilo que é, ele certamente tem seu valor.

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