segunda-feira, 22 de junho de 2020

O Filho das Trevas

As narrativas rebuscadas, imaginativas na tensão elíptica e propícias às repaginações técnicas e aos exageros do gênero terror, oriundas da mente do escritor H.P. Lovecraft serviram de fonte a muitos diretores dos anos 1980 e 90 que buscaram driblar os baixos orçamentos do cinema B e moldar obras que se mostrassem relevantes no panorama do circuito comercial.
“O Filhos das Trevas” não vem com pedigree qualitativo das obras de Roger Corman, não está incluso entre as estripulias de Charles Band e Bryan Yuzna, perpetradas no mesmo período (início dos anos 1990), mas tem direção de Dan O’Bannon, roteirista de “Alien-O 8º Passageiro”, “Força Sinistra” e diretor do ótimo “A Volta dos Mortos-Vivos”, o que lhe garante certa autenticidade entre as obras do gênero.
Num jogo de narrações que já evidencia a intenção do diretor em manter a fragmentação originária do livro em que se baseia, “O Caso de Charles Dexter Ward”, o filme  começa numa clínica psiquiátrica onde descobrimos um assassinato brutal seguido de fuga de um dos internos, o até então misterioso Charles Dexter Ward, vivido por Chris Sarandon, de “A Hora do Espanto”.
Logo, a ação muda para o escritório do detetive particular John March (John Terry) que dá início a uma narração em off de fatos pregressos, ao estilo dos romances pulps sobre detetives.
Semanas antes, o indiferente detetive recebeu, em seu escritório, a bela loira Claire Ward (Jane Sibbett), desesperada por descobrir as razões do afastamento de seu marido, Charles D. Ward.
A história que ela conta –e que promove um audacioso flashback dentro do flashback, o primeiro de vários que a trama rocambolesca terá –mostra a obsessão crescente de Charles por um experimento iniciado por uma espécie de antepassado dele, um certo Joseph Curwen, cujo quadro fantasmagórico que enfeita a sala da casa deles, remete totalmente às feições do próprio Charles.
Cada vez mais mergulhado no trabalho, a ponto de sequer perceber o cheiro putrefato que emanava de seu laboratório e que perturbava a todos, Charles muda-se para outro lugar, uma casa antiga de propriedade de Curwen. E dele, Claire não recebe mais notícias.
A medida que prossegue com suas investigações, March descobre que realmente muitos indícios duvidosos cercam a casa misteriosa onde Charles se refugiou: Entregas suspeitas de carregamentos de carne e sangue que despertam a atenção da polícia; e até a morte nebulosa de um vizinho, aparentemente vitimado por algum animal selvagem.
De posse de um diário centenário escrito pelo próprio Curwen, March descobre que a casa serviu outrora de laboratório para o ancestral de Charles –num outro flashback, ainda mais contundente –enquanto as pistas se somam apontando para uma prática muito sinistra sendo executada por lá.
À premissa original engendrada por Lovecraft, o diretor O’Bannon acrescenta uma adequada aura de filme noir investigativo, e brinca com os arquétipos de femme fatale, sugerindo inclusive (num breve momento de delírio) o usual romance entre o detetive e sua cliente em apuros, algo que, na realidade, não faz parte dos rumos fomentados da trama.
Embora não escape da definição rasteira e nem um pouco sutil que assolava a maioria das produções comerciais daquela época, “O Filho das Trevas” tem a salutar qualidade de entregar aquilo que promete –guardados seus ganchos ocasionais de pistas falsas em sua estrutura detetivesca –acentuando seu ritmo e sua tensão conforme a trama vai por fim se revelando e abrindo espaço para os exuberantes efeitos de maquiagem, verdadeiramente assombrosos e notáveis em suas cenas mais escabrosas.

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