Normalmente adepto de comédias mais rasgadas –e
de resultado frequentemente hilário –o diretor Guel Arraes investe aqui, como o
próprio título já deixa bem evidente, no romance. Ainda que seu filme conserve
também elementos do tino irreprimível para comédia que ele tem. Há também em
“Romance” a química cativante de seu casal protagonista, Wagner Moura e Letícia
Sabatella, um melhor que o outro, e um olhar cheio de peculiaridade, divertida
acidez e conhecimento de causa sobre as diferentes impressões experimentadas
pela arte e pelo artista quando se expressa em mídias distintas, de interesses
distintos como o teatro e a TV (e, no fim das contas, o cinema).
“Romance” é, portanto, nos temas que reúne e na
forma como os reúne, Guel Arraes dos pés à cabeça!
Nota-se assim uma certa evolução em seu estilo,
quando identificamos uma seriedade, uma maior maturidade, ao acompanhar o
princípio da história de amor entre Pedro (Moura) e Ana (Letícia), dois atores
(ele é também diretor) unidos em cena para uma apresentação teatral da tragédia
“Tristão & Isolda” –clássico este que se mostra fundamental ao filme.
Enquanto debatem a relevância sentimental da
obra em questão, influenciadora de praticamente todas as histórias de romance
que vieram depois, os dois intérpretes descobrem algo alardeadamente nada
incomum de acontecer: O amor encenado nos palcos migrou para a vida real.
Pedro e Ana formam assim, um casal apaixonado.
Contudo, a despeito da alegria com que encaram
os desafios corriqueiros, os obstáculos refletidos em “Tristão & Isolda”
não tardam a aparecer em sua relação também: Ana chama a atenção de Danilo, um
produtor de TV (José Wilker, afiadíssimo), que não tarda a contratá-la e a
levá-la a uma rotina na qual tem de se dividir entre gravar novela no Rio e
encenar a peça em São Paulo.
E logo, ter que dividir a mulher que ama passa
a ser um tormento para Pedro.
Eles terminam e o filme, como quem não quer
nada, avança três anos no tempo; Ana agora já é uma grande estrela na TV. Pedro
segue com a postura de artista comprometido com sua arte que é a essência do
teatro.
Um reencontro, porém, se esboça: Ana, assim
como sua agente Fernanda (a ótima Andrea Beltrão) querem convencer Danilo a
aprovar um especial de fim-de-ano estrelado por ela, mas, dirigido –olhe só
–por Pedro!
E qual é a trama? Uma adaptação nordestina (e
filmada em locação!) de “Tristão & Isolda”.
Por esse caminho, o que era um romance de idas
e vindas complicadas começa a se tornar um triângulo amoroso, e depois um
quadrilátero (!), com a adição do personagem de Orlando (Vladimir Brichta, cujo
carisma e simpatia são tantos que ele torna apetecível e encantador um
personagem que, nas mãos de outro ator, poderia conquistar a raiva do público).
Acontece que Pedro almeja um ator regional para
viver Tristão e ser o par de Ana; Orlando quer essa chance e assim se faz
passar por um nordestino legítimo, ganhando o papel.
Entretanto, como costuma ocorrer de maneira
meio ambígua entre alguns intérpretes profundamente envolvidos com as emoções de
seus personagens, Ana e Orlando têm um breve envolvimento durante as filmagens;
mesmo que Orlando, às escondidas de todos, mantenha lá um certo romance com
Fernanda.
Assim, o que antes era uma serena e
introspectiva reflexão sobre o amor, a arte e a profissão restrita à duas
pessoas, se torna um imbróglio: Pedro não esconde sua vontade de reatar com
Ana; já, Ana se acha dividida entre o amor não resolvido com Pedro e a recente
paixão com Orlando; este, por sua vez, está dividido entre Ana e Fernanda
–embora seu ego o leve à uma ligeira preferência pela primeira (ainda que ele
reafirme sempre o contrário para a segunda!).
É, portanto, um ciranda de amores, abastecida
pelos diálogos ágeis, e pelos comentários sempre inspirados sobre as situações
complicadas da vida, abrilhantado por um elenco que funciona como uma máquina
bem azeitada.
De quebra, o belo trabalho
de Guel Arraes oferece as pertinentes e inevitáveis referências não só a
“Tristão & Isolda”, como também à “Cyrano de Bergerac”, e outros clássicos
do romantismo.
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