quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Eu, Minha Mulher e Minhas Cópias


 Tendo perpetrado um dos mais adorados cult movies dos anos 1990 –o inebriante “Feitiço do Tempo” –o diretor e roteirista Harold Ramis enveredou por uma premissa muito parecida, de novo extraindo humor e uma certa ternura de um tema que girava em torno da repetição.

Se “Feitiço do Tempo” era sobre um dia que se repetia, “Eu, Minha Mulher e Minhas Cópias” era sobre um homem que se replicava. Tal homem é Doug Kinney vivido com compreensão singular de comédia por Michael Keaton, ainda que a parceria certeira e bem azeitada do diretor com Bill Murray, protagonista da obra anterior, não se repita. Todavia, Ramis recrutou mais uma vez a adorável Andy MacDowell para o papel feminino principal; ela é Laura, casada com Doug, com quem têm dois filhos.

As atribulações de Doug começam quando ele se apercebe de que as tarefas domésticas, profissionais, familiares e matrimoniais lhe sobrecarregam: Para dar conta de todas elas sem estafa, ele precisa se dividir em vários. A questão, existencial para muitos pais da família, é resolvida de forma literal por Doug: Ele conhece um inventor (Harris Yulin, de “O Lugar Onde Tudo Termina”) capaz de fazer um clone seu, uma cópia com sua aparência, suas memórias e seu comportamento. Assim surge o Nº 2 a quem Doug incumbe de encarregar-se do seu emprego como construtor civil em Los Angeles.

Entretanto, a comodidade de desdobrar-se em mais de um leva Doug a encomendar mais um clone, Nº 3, desta vez, incumbido dos serviços do lar, enquanto o Doug original tenta harmonizar as coisas em seu casamento com Laura (tudo isso, diga-se, sem o conhecimento dela!). O curioso é que as cópias, a partir do momento em que são instruídas a uma única ocupação desenvolvem uma personalidade específica: Imerso no trabalho, Nº 2 se torna uma versão fria e ranzinza de Doug, amargurado pelo distanciamento da mulher e dos filhos e tornado anti-social; Nº 3, por sua vez, segue o caminho oposto, ganhando ares mais sensíveis devido ao constante traquejo doméstico. E há, ainda, um Nº 4 (!), uma cópia da cópia que resulta numa versão debilóide de Doug, requisitado para auxiliar 2 e 3 em suas tarefas –e todos são interpretados com versatilidade e primor por Keaton, um ator naquela época ainda lembrado tão somente pelo sucesso de “Batman”, de Tim Burton, mas que sempre ostentou insuspeito brilhantismo inclusive no difícil gênero da comédia.

“Eu, Minha Mulher e Minhas Cópias” não atinge a mesma genialidade em todas as frentes que “Feitiço do Tempo” –um trabalho cujo primor visivelmente Harold Ramis busca reprisar –e nem teria como fazê-lo mesmo, diante dos acertos tão raros e improváveis que aquela pérola consegue obter; no entanto, se não proporciona o mesmo elevado fascínio, este bom trabalho de Ramis consegue levantar um divertido questionamento sobre as atribulações da vida moderna amparado em recursos admiráveis e francamente surpreendentes de efeitos visuais que conseguem replicar o ator Michael Keaton diversas vezes em cena, de uma maneira realista e sem traços visíveis da ilusão praticada, num resultado à época, sem precedentes no cinema –e olha que o tema da multiplicação de um protagonista em cena não era nem nunca foi algo muito novo ao cinema como atestam projetos distintos como o autoral “Gêmeos-Mórbida Semelhança”, a comédia “Cuidado Com As Gêmeas”, a ação “Duplo Impacto” ou o quintessencial “Um Corpo Que Cai”.

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