São irônicos os caminhos encontrados por esta
magnífica produção australiana conduzida pelo diretor John Hillcoat (do
brilhante “A Estrada”): Ele começa num tiroteio infernal, onde um mero
sossobrar de cabeça pode representar uma bala mortal na testa! Inquieto,
explosivo e caótico, esse início vai de encontro às pressuposições que o
público leigo tem do gênero faroeste em si, e –embora seja um faroeste com
todas as letras –a partir dali, o filme de Hillcoat trata de se opor a essa
primeira impressão impondo um poderoso intimismo.
À ele interessam menos os duelos romantizados e
mais as condições tremendamente árduas às quais os homens e mulheres a viver
naquele tempo foram submetidos. A Austrália é retratada como uma terra de
ninguém, entretanto, em pequenos e obscuros vilarejos, ascendem homens querendo
fazer valer a justiça e a lei. Como eles o fazem? Sendo ainda mais brutais que
os bandidos que perseguem.
Esse é um dos paradoxos com os quais de depara
o protagonista Cap. Stanley (Ray Winstone, de “A Lenda de Beowulf”),
homem da lei vindo da Inglaterra, desejoso de impor a ordem naquele fim de
mundo. Ou seria o protagonista o criminoso Charles Burns (Guy Pierce), colhido
de surpresa ao lado do irmão mais novo, Mikey (Richard Wilson), naquele
tiroteio do início?
Disposto a usar de um método mais elaborado
para conseguir o que ninguém antes dele foi capaz –capturar todo o bando do
perigoso Arthur Burns (Danny Huston), que perpetrou uma atrocidade contra uma
família da região –o Cap. Stanley propõe um acordo à Charles, e com isso dá o
estopim à trama: Ele enforcará Mikey dentro de nove dias –exatamente durante o
Natal –contudo, dará liberdade à Charles. Se ele retornar com a cabeça de
Arthur, o irmão mais velho, e certamente o líder por trás de todas as
calamidades praticadas, então Charles terá em troca a vida salva do caçula e o
perdão pelos crimes praticados.
Para Stanley não é fácil viver com o peso dessa
escolha: Amargurado pela tragédia recente, o povoado de seu vilarejo –que
inclui os próprios policiais ao seu comando e o almofadinha político vivido por
David Wenham (de “Senhor dos Anéis-As Duas Torres”) –não aceita a
presença de Mikey na cadeia sem exigir retaliação, e faz pressão para uma
execução à céu aberto. Ou um castigo à chibatadas. Ou ambos. E nesse ínterim,
quem sofre é também Martha (Emily Watson), a esposa de Stanley, que tem de
aguentar os olhares de reprovação dos cidadãos.
Ainda menos fácil é para Charles: A árdua
jornada em busca do irmão que não tem muita certeza se conseguirá trair o leva
aos confins do ‘Outback’, o deserto australiano, nas montanhas outrora
dominadas pelas tribos selvagens dos aborígines. Lá, como uma espécie de
Coronel Kurtz, Arthur o aguarda com uma inusitada concepção de antagonismo: Em
nada ele corresponde ao monstro que a narrativa o pintava, revelando-se
contemplativo, absorto, filosófico e existencial. Ele admira o pôr-do-sol, e
conhece de cor sentenças de famosos escritores. E compreende melhor que
qualquer personagem no filme que o contexto no qual estão inseridos é um
inferno inexpugnável onde todos estão condenados.
Dessa forma, o filme de Hillcoat toma nosso
tempo, passeando por essas circunstâncias pesarosas, acompanhando os
personagens diante de suas aflições, cercados pela precariedade atroz daquele
meio de vida –não são raras as moscas a rodear todos os personagens, num
reflexo da irremediável degradação moral de todos eles.
Durante muito tempo, nada parece acontecer.
Mas, essa imutabilidade é a grande força dramática de “A Proposta”: Ela
aprofunda o suspense, salienta as particularidades dúbias de seus personagens e
das dinâmicas em que estão envolvidos, e intensifica gradualmente a sensação de
inevitabilidade em sua atmosfera.
Roteirizado pelo músico Nick Cave (que, depois, também roteirizou outra obra de Hillcoat, “Os Infratores”), “A Proposta” poderia entrar na definição de faroeste revisionista, pela forma circunspecta com que abre mão dos reflexos tradicionais do gênero e abraça elementos despojados e naturalistas mais comuns da literatura, mas, sua realização é tão competente e seu resultado final, tão brilhante, que o eleva ao improvável status de obra única.
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