Numa época (anos 1980) em que adotar novos formatos narrativos para melhor adaptar obras literárias em toda sua extensão ainda era algo inédito, o diretor francês Claude Berri foi quase pioneiro ao tomar a decisão de dividir os dois fenomenais volumes concebidos pelo autor Marcel Pagnol em dois filmes de fato (cujo lançamento teve cerca de seis meses de intervalo entre um e outro), que não só abarcassem com serenidade e fluência todos os elementos dispostos nos dois livros, mas preservando também o arco duplo de ventos, fundamental à história, e que não existiria caso fosse tudo compilado num único filme –o que, aliás, aconteceu, em 1952, dirigido pelo próprio Marcel Pagnol, no filme “Manon Des Sources”.
Iniciativa similar, dentro do cinema comercial
mundial, só houve mesmo com a minissérie “Pássaros Feridos” (que optou por
construir no formato minissérie uma trama extensa que dificilmente funcionaria
num longa-metragem mais restrito) e, poucos anos depois, com a “Trilogia De Volta Para O Futuro”, cujos capítulos 2 e 3 foram filmados simultaneamente e
lançados com alguns meses de diferença, assim como a obra de Claude Berri.
Neste primeiro filme, somos apresentados à
dupla de tio e sobrinho, Cesar Soubeyran, ou Papet (Yves Montand), e Ugolin
(Daniel Auteuil), últimos remanescentes dos orgulhosos Souberyan, família rica,
influente e tradicional de um diminuto vilarejo francês na região de Provença,
em meados dos anos 1920.
Em regresso para casa após um período como
soldado, Ugolin –cujo tio, Papet, o trata como um filho –traz, literalmente
debaixo do braço, um plano para empreender: Mudas auspiciosas de cravos
vermelhos, uma flor cujo cultivo pode levá-los à prosperar. Há, porém, um
problema: Cravos necessitam de muita água para florescer; muito mais do que as
áridas plantas de sua região naturalmente quente e seca, na qual a água é uma
preciosidade.
Astutos e ardilosos, os dois Soubeyran iniciam
seus planos para enriquecer, completamente indiferentes ao fato de que assim
estão dando início à própria derrocada: Ao tentar negociar com o instável e
rabugento proprietário de um terreno próximo (no qual Papet sabe haver uma
preciosa nascente d’água), o diálogo migra para um briga física e, sem querer,
Papet acaba matando o homem (!), O terreno acaba ficando como herança para o
parente mais próximo do falecido, a irmã Florette, com quem, na juventude, o
próprio Papet teve um envolvimento romântico do qual ele jamais se recuperou (e
Florette, é importante lembrar, é uma personagem que, embora jamais apareça,
tem peso fundamental à trama). Contudo, Florette, logo Papet e Ugolin
descobrem, faleceu deixando o terreno, e a cobiçada nascente que ele contém,
para o filho, um corcunda chamado Jean –e vivido com brilho e encanto sonhador
por Gerard Depardieu.
Imediatamente, os Soubeyran põem um plano
mesquinho e dissimulado em prática: Bloquearão a nascente do terreno de Jean
para que ele nunca descubra a fonte de água, espalharão boatos entre os
moradores do vilarejo (de que ele é um forasteiro e não o filho de alguém do
lugar), e farão de tudo para que se desiluda com a árdua vida no campo para
que, no devido tempo, ele vá se embora e venda o terreno à Ugolin.
A cereja no topo do bolo é que o próprio Ugolin
apresenta-se como um amigo solícito e sempre presente para Jean, a fim de acompanhar
seus infortúnios bem de perto (e garantir traiçoeiramente que eles aconteçam).
É uma dinâmica que o empenho maiúsculo de seu elenco torna fascinante: Quando
finalmente Jean de Florette chega à localidade, ele vem acompanhado da esposa
Aimee (Élisabeth Guignot) e da filha, a pequena Manon (Ernestine Mazurow, nesta
primeira parte).
A narrativa de Claude Berri é brilhante em
contrapor, neste filme inicial, as dificuldades físicas, climáticas e
existenciais (além das conspiratórias...) da vida de Jean e sua família na nova
casa à sua fascinante persistência, uma vontade genuína de viver e sobreviver
–é um propósito plenamente atingido, portanto, o de que Jean, a despeito de seu
tempo de cena interrompido, ser assim um abalo sísmico na trama, onde é
recordado até o fim.
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