O título do filme de Ruben Östlund se refere à pequena área do rosto humano, entre as sobrancelhas, na qual os mais perspicazes conseguem ler as nossas emoções; e que, por isso mesmo, algumas profissões por necessidade ou por precaução visam buscar controlar. Entretanto, o título pouco passa da ideia do que de fato é este filme desigual, objetivo, analítico e extremamente inspirado.
Realizador também do ótimo “Força Maior”,
Östlund, como naquela outra obra, entende as circunstâncias de conflito do ser
humano, onde a necessidade de sobrevivência se colide com a fragilidade das
aparências. Aqui, sem muita pressa, ele divide seu filme em blocos bem
definidos, onde introduz seus protagonistas (no primeiro deles), um jovem casal
de modelos às voltas com pequenas turbulências da convivência. Ainda assim,
Carl (Harris Dickinson) e Yaya (a bela Charlbi Dean, falecida precocemente em
2022) se esforçam para ficarem juntos, ante todos os pequenos contratempos –a
relativa predisposição dela para manipular as situações a seu favor; o peso da
questão financeira na qual a profissão que dividem paga muito melhor ela do que
ele; a pretensa frieza dela para com
relacionamentos (o deles, incluso) em oposição aos esforços declarados dele
para formarem um par; e as pequenas disputas, inerentes a qualquer relação,
onde um quer estar mais certo que o outro. Entre pequenas discussões que nunca
levam a nada, eles fazem uma aposta: Que Carl fará com que Yaya sinta amor de
verdade por ele.
Assim, “Triângulo da Tristeza” segue para sua
segunda parte, “O Iate”, na qual os dois jovens protagonistas acabam num
luxuoso cruzeiro em alto-mar e perdem um pouco de sua posição central na
narrativa para dividir tempo de tela e importância de trama com vários outros
personagens. Há, por exemplo, Paula (Vicki Berlin) gerente dos funcionários que
compõem a tripulação, deveras solícita para com os apelos dos passageiros,
instigante e autoritária para com as instruções dadas aos subalternos; Dimitri
(Zlatok Buric), um comerciante russo que, diante da condição de novo-rico, se
vale das regalias do dinheiro para exercitar impunemente seu desmazelo e suas
grosserias; Jorma (Henrik Dorsin), passageiro solitário e rico, cuja carência
social nem todo dinheiro do mundo consegue preencher; e Therese (Iris Berben),
outrora vítima de um AVC, o que a tornou impossibilitada de falar, exceto por
uma única frase (“In den Wolken”). O capitão do navio vem a ser o beberrão e
pouco responsável Thomas (uma ponta de luxo de Woody Harrelson), de um comportamento
de tal forma relapso que, logo, contamina o restante da tripulação. O que,
entre jantares catastróficos, um temporal inesperado e piratas mais inesperados
ainda, leva à terceira parte do filme, “A Ilha”.
Vitimados por um gaiato naufrágio, Carl, Yaya,
Dimitri, Jorma, Therese e Paula acabam indo parar, junto de vários detritos do
navio, no que parece ser uma ilha abandonada. Ao lado deles, está também um
funcionário da casa de máquinas da embarcação (Jean-Christoph Folly), e a
faxineira Abigail (Dolly De Leon). Contudo, uma vez na ilha, as coisas mudam
drasticamente: Hábil, obstinada e sem firulas, Abigail logo se destaca entre os
sobreviventes –sabe caçar, obter comida e preparar o fogo –e essas capacidades
a colocam numa posição que outrora não possuía. Ela refuta os esforços vazios
de Paula em preservar a mesma hierarquia (leia-se, proletariado servindo a
elite) que antes existia no iate, e assume a liderança do grupo a ponto de
tirar dos braços de Yaya o antes apaixonado Carl. Ser uma modelo bela e fútil
de nada adianta no jogo de sobrevivência de uma ilha deserta, a não ser quando
sua beleza, no caso de Carl, serve aos interesses da pessoa no topo da cadeia
alimentar.
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