Não obstante ser um diretor capaz de conceber um longa-metragem mesmo nos tempos difíceis do cinema brasileiro –onde não é fácil para ninguém sagrar-se cineasta –o diretor Neville D’Almeida segue fazendo filmes que desafiam o paladar de qualquer expectador, ostentando uma espécie de desleixo planejado, um mau gosto deliberado que pode, ou não, fazer parte de suas intenções presunçosas de chacoalhar sensibilidades. Nessa esteira, pode-se argumentar que “A Frente Fria Que A Chuva Traz” –que nem é um filme tão velho assim, data de 2015 –tenta evocar a mesma recepção e choque provocados por seu “Rio Babilônia”, que assombrou público e crítica num longínquo 1982. E olha que, na época, o auge das pornochanchadas, cenas de nudez e sexo costumavam ser recebidas com relativa indiferença pela audiência. “Rio Babilônia” ia mais além, perpetrando um retrato cru, transgressivo e provocante, de uma juventude burguesa, alienada e hedonista por meio de cenas que, de tão despojadas, soavam ofensivas: Por sinal, é até hoje lendária, e alvo de debate, a famigerada cena em que a atriz Denise Dumont (famosa pelas novelas da Globo) transa com dois homens numa piscina. Expectadores ainda discutem se o que aparece no filme é sexo simulado ou verdadeiro!
Em “A Frente Fria Que A Chuva Traz”, Neville
D’Almeida, 33 anos depois, parece perseguir objetivo muito parecido, porém, com
vários resultados diferentes: Se em 1982, “Rio Babilônia” conseguiu se
sobressair mesmo em meio às vastas produções de conteúdo adulto que afloravam
no circuito, em 2015, “A Frente Fria Que A Chuva Traz”, mesmo que solitário ao
ostentar cenas supostamente ousadas no cinema, não atraiu maiores interesses
nem de público, nem de crítica, nem de ninguém. Em grande parte, porque o teor
controverso foi atenuado para os tempos atuais: Atores conhecidos desta geração
como Bruna Linzmeyer, Chay Suede e Johnny Massaro já não são expostos a
ousadias envolvendo nudez e sexo como antes –no mais, são os diálogos que
ostentam um alarmante nível de baixaria e linguajar chulo. Afinal, os
expectadores de hoje, e seu execrável hábito de cancelar qualquer coisa e
qualquer um, oferecem certo perigo à quem quiser exercer sua liberdade criativa
a todo custo. Sejamos justos: Outra boa razão para a pouca repercussão, fica clara
em poucos minutos de filme; O trabalho de D’Almeira é pedante, ginasiano e
mal-acabado, exibindo um descaso em termos técnicos e narrativos que parece
improvável vindo de um diretor com tanta experiência acumulada, o que gera a
possibilidade de que toda essa bobagem foi proposital. No entanto, uma atenção
um pouco maior à filmografia de D’Almeida mostra que, de fato, ele nunca se
preocupou muito com qualidade.
Ao amanhecer, um grupo de jovens burgueses dá
continuidade aos seus planos de realizar uma festa regada a sexo, drogas e
música eletrônica numa laje alugada em pleno Morro do Vidigal. Adaptado da peça
teatral de Mario Bortolotto, o filme acompanhará seus personagens desde o
início do dia até a chegada da noite, onde as prevaricações e estripulias se
sucederão.
E tais personagens são uma vitrine da
degradação moral a rondar a juventude da classe média-alta que D’Almeida parece
tão ávido em escancarar: Os organizadores da festa e playboyzinhos degenerados
Espeto e Alisson (Chay Suede e Johnny Massaro, o protagonista do maravilhoso “O Filme da Minha Vida”), a prostituta e viciada em heroína Armsterdã (Bruna
Linzmeyer), o cantor de sertanejo universitário Raposão (Michel Melamed), uma
espécie de parasita de toda devassidão e alienação dessa categoria, além das patricinhas
promíscuas interpretadas por Juliane Araújo, Natalia Lima Verde, Marina
Provenzzano e Juliana Lohhman, todas elas, jovens rostos conhecidos do público
das novelas televisivas. O frio iminente, murmurado aqui e ali com displicência
pelos personagens, é na dramaturgia de Neville D’Almeira uma metáfora para a
circunstância de opressão moral que, mais cedo ou mais tarde, cobrará o devido
preço pelos excessos de seus personagens.
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