sábado, 18 de março de 2023

Babilônia


 Assim como em “La La Land-Cantando Estações”, o cinema vem a ser também fonte e inspiração deste trabalho de Damien Chazelle. Diferente daquele premiado filme, contudo, aqui Chazelle não retrata Hollywood e seus bastidores com fascínio e romantismo, mas sim com uma imprevista ênfase na sordidez que espreita nas sombras, nos excessos que levam rumo à derrocada. Para tanto, Chazelle e seu amplo, épico e ambicioso roteiro regressam até a década de 1920, o auge do cinema mudo, onde as câmeras arrojadas, requintadas e sofisticadas do diretor –habilidosas no manejo de cenas coletivas e em formidáveis planos sequências –capturam a trajetória intercalada de três protagonistas: Manny Torres (Diego Calva), um imigrante mexicano tentando a vida e a sorte em Los Angeles; Nelly LaRoy (Margot Robbie, estupenda) uma jovem e indomável estrela em ascensão; e Jack Conrad (Brad Pitt), um dos maiores galãs do período, colecionador de sucessos –e de relacionamentos mal-fadados.

Chazelle justapõe a jornada de ascensão e queda dos três personagens às grandes transições experimentadas pelo cinema, sobretudo, a chegada do som.

É na arrebatadora e exuberante cena que abre o filme –uma festa (ou seria orgia?) regada a sexo e drogas filmada com primor mesmerizante –onde o humilde faz-tudo Manny conhece a divertida, porém, instável Nelly LaRoy. A capacidade dela chamar espontaneamente para si todas as atenções da festa (e o coração apaixonado do pobre Manny) já deixa algo bem claro: É questão de tempo até que Nelly se torne uma estrela.

No mesmo local, encontramos o já veterano Jack Conrad às voltas com seu vícios, em geral, mulheres e bebida; e é sob o efeito de um porre que Manny o leva à sua mansão na manhã seguinte para então receber uma proposta do próprio Jack: Trabalhar no cinema, em meio ao caos das filmagens em locação da forma espartana com que eram feitas no cinema mudo. Com o tempo, o cinema em geral e Hollywood em particular embriaga cada um deles com seus sonhos –Manny galga os degraus  da indústria culminando num cargo respeitável de produtor executivo; Nelly, na descoberta de uma prodigiosa desenvoltura cênica (ela dança, sorri e chora com mais facilidade que qualquer outra atriz) logo ganha os holofotes e o tão aguardado estrelato; e Jack (personagem que reúne ecos de Eroll Flynn e Douglas Fairbanks) segue o hedonismo previsto em sua carreira praticamente trocando de esposa a cada nova produção –sendo uma delas a atriz teatral da Broadway interpretada por Katherine Waterson (de “Vício Inerente”). Paralelo aos três protagonistas, flagramos outros personagens, como o trombetista negro Sydney Palmer (Jova Adepo) que, embora experimente os altos e baixos da indústria graças ao seu talento com a música, nunca deixa de sentir as agruras acarretadas pela cor da sua pele; ou a cantora chinesa Lady May (Li Jun Li), também ela um dos muitos artistas a tentar sobreviver às esmagadoras engrenagens do sistema de então.

Ao percurso pessoal e profissional vivenciado por cada um deles, Damien Chazelle confronta com a inevitável transformação na forma de ver e fazer cinema quando a tecnologia do som foi inventada, mudando tudo. Com timbre ligeiramente estridente, e sem paciência para a complexa logística que os filmes sonoros exigiam dos atores (que agora tinham de decorar textos e declamá-los no tom de voz correto), Nelly encontra dificuldades para se adaptar e seus arroubos, somados ao temperamento festeiro lhe deixam em maus lençóis em Hollywood, a despeito dos esforços do apaixonado Manny para manter seu nome na ribalta, enquanto que Jack, já na fase outonal de sua carreira como galã, tem de aguentar as inesperadas chacotas com seu sotaque engraçado, e a chegada de novos e mais jovens pretendentes a astro vindo para substituí-lo. A realização de Chazelle, ao albergar as nuances dramáticas desse momento de transição do cinema se assemelha muito à “O Artista” e principalmente “Cantando Na Chuva” –que, embora seja uma produção dos anos 1950, é sabido que reaproveitou sua famosa música-título de algumas produções obscuras dos estúdios dos anos 1920, o que permite à Chazelle, numa cena, reutilizá-la.

Com um humor negro algo pesado, o tempo todo oscilando para uma dramaticidade contundente, Chazelle conduz Manny, Nelly e Jack às consequências corrosivas dos excessos que experimentaram. Esse ambicioso arco narrativo teria um impacto maior se o roteiro fosse mais criterioso, ao invés de dispersar-se em três longas horas de duração que só não resultam completamente enfadonhas graças à habilidade comprovada do diretor e ao empenho brilhante de seu elenco que ainda conta com uma ponta inesperada (e assustadora) de Tobey Maguire.

Dizer que “Babilônia” é a grande homenagem ao cinema perpetrada por Damien Chazelle é uma afirmação aberta à discordância: Ele já havia feito tal homenagem (com mais encanto e precisão) em “La La Land”. Aqui, Chazelle parece reconhecer as arestas que preferiu ignorar naquela obra, apontando suas lentes para as facetas mais degradantes e sujas de um período no qual muitos preferem enxergar uma idealizada nostalgia –à sua maneira, seu trabalho acaba lembrando o que Ken Russel fez em “Valentino-O Ídolo, O Homem”.

Apesar disso, ao fim (no qual seu filme demora MUITO a chegar) Chazelle relembra o deslumbre sem par que o cinema pode nos proporcionar, retomando a encantadora recordação da obra maior que é “Cantando Na Chuva”.

Ele lembra, com seu filme tecnicamente perfeito e narrativamente exasperante, que o cinema sempre haverá de preservar a memória de quem foi, de quem é e de quem será, não obstante as vidas de desfechos irrefreáveis que todos temos. A luz refletida na grande tela em forma de arte é um achado humano que conecta cada uma de nossas histórias, tornando-as uma só.

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