domingo, 16 de abril de 2023

Euphoria - 1ª Temporada


 A cerca de duas décadas, algo mudou na TV norte-americana (e na TV mundial também, por que não): Séries, minisséries e telefilmes passaram a ostentar, cada vez mais, qualidade cinematográfica. Representativos dessa espécie de revolução foram os seminais “Band Of Brothers”, “Mad Men” e “The Sopranos” –e em grande medida, muito desse manancial de requinte artístico partiu da iniciativa da HBO, canal à cabo que, devido à exclusividade do formato, podia se dar ao luxo de trazer temas adultos contundentes e primorosamente bem-acabados em seus conteúdos. Na esteira desse arrojo vieram trabalhos de muita qualidade e outros canais que adotaram a mesma atitude. Claro que isso é notícia velha, e expectadores mais jovens já vivem convenientemente neste mundo onde obras cinematográficas não se restringem às salas de cinema e nem às durações em geral de cinema (entre duas e três horas). Mas, isso tudo é para contextualizar a circunstância na qual nasce uma obra como “Euphoria”.

Baseada numa série israelense homônima de 2012, “Euphoria” (lançada por sua vez em 2019) é a história de Rue Benneth (a sensacional Zendaya), garota nascida três dias após o 11 de setembro que, aos 17 anos, tem ciência de que a vida inteira almejou uma certa sensação que a livrasse de suas pressões emocionais. Tal sensação, ela só veio a experimentar quando, numa ocasião, recebeu uma dosagem de Valium em gotas no hospital –uma letargia que aliviava o peso da realidade. Desde então, na busca paulatina por esse efeito, Rue se torna uma viciada em drogas, e em algum momento, eventualmente sofre uma overdose –o que lhe manda para uma clínica de reabilitação. É o retorno de Rue junto ao seio familiar –que consiste de sua mãe (Nika Williams) e sua irmã mais nova (Storm Reid) –que marca o início de “Euphoria”. Ainda viciada, Rue esconde da mãe suas recaídas ao vício –subterfúgios que geram cenas ora divertidas, ora tensas –e, no percurso de sua narrativa em off, acabamos conhecendo outras personagens que orbitam no universo de Rue. E que ganham, também elas, seus próprios arcos dramáticos: Como a inicialmente tímida gordinha Kat (Barbie Ferreira) cuja descoberta da sexualidade a leva aos conteúdos sexualmente degenerados da internet; a inconstante Maddy (Alexa Demie) às voltas num relacionamento tóxico com o desprezível Nate (Jacob Elordi) que se equilibra entre paixão e agressão doméstica; a bela Cassie (a fantástica Sydney Sweeney) dona de uma aparência angelical que esconde tendências promíscuas às quais ela vai cedendo a medida que o namoro com o inseguro e imaturo McKay (Algee Smith) começa a se deteriorar; o jovem traficante Fezco (Angus Cloud) dividido entre as exigências criminosas de seu negócio e a intenção de preservar uma boa índole. Dentre todos, porém, quem ganha mais importância (ao menos, nesta primeira temporada) é Jules (Hunter Schafer) uma garota transexual, recém-chegada na escola que logo se torna melhor amiga de Rue, e com ela estabelece um relacionamento que flerta o tempo todo com o romance, a despeito de também começar uma relação virtual com outro garoto, sem ela saber que se trata do tóxico Nate.

O roteiro ágil e primoroso de Sam Levinson (também produtor executivo da série e diretor da maioria dos episódios) não economiza nas dinâmicas de natureza dramática a entremear inesperadamente cada um desses personagens –como o fato do pai de Nate (Eric Dane) ter feito sexo com Jules, o que denota seu homossexualismo enrustido que, aliás, ele compartilha com o próprio filho (!) –e, como se pode notar, “Euphoria” também não economiza no teor de escândalo.

Tabus são quebrados sistematicamente conforme a série aborda temas que a maioria das séries preferem evitar, como dependência química, sexo na adolescência, relações abusivas sejam elas virtuais ou não, e os infindáveis desvios morais e comportamentais aos quais os jovens de hoje se veem expostos. Tudo isso mostrado numa estética arrojada, pós-moderna (as cores são vibrantes e o tratamento visual é extremamente estilizado), gráfica e despida de qualquer pudor –para tanto, “Euphoria” deve chocar expectadores de paladar mais conservador, todavia, esse parece ser, de certa forma, seu objetivo: Na ausência de personagens corretos e de boa índole (com a possível exceção de Lexi, vivida por Maude Apatow), e no elenco absolutamente maravilhoso aqui reunido (no qual se destacam, com folga, as meninas), “Euphoria” praticamente desafia o público a gostar de suas incautas, ainda que fascinantes, protagonistas e exercer assim a hoje tão falada empatia.

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